terça-feira, julho 14, 2009

Tem dias em que a preguiça de andar até o ponto de ônibus mais próximo me faz escolher o metro como meio de transporte. Mesmo tendo que pagar alguns centavos a mais. Ontem foi um desses dias. O tempo não estava lá grandes coisas, ou seja, meio nublado, meio quente. Nem o sol de verão, nem a escuridão carregada das nuvens do inverno. O ar-condicionado do metro seria uma boa opção, apesar de a garganta arranhar um pouco e do nariz teimar em escorrer a cada minuto.

Fila para comprar o bilhete. Fila para entrar no vagão. Fila para ver quem fica perto da loiruda, podendo ser premiado com uma encoxada de leve. Fila para ficar ao lado da porta, já se preparando para a saída, no horário do rush de pessoas famintas por sofá e novela. Sentar, nem em sonhos. Então vi a menina dos cabelos molhados.

Em pé, ao lado de três cidadãos de bem, mas que não tiravam os olhos dela, a menina de short jeans por cima de uma meia calça preta, de mochila nas costas, de cabelos castanhos, de cabelos molhados, de cabelos curtos escutava seu celular. Ou seu Ipod. Ou seu Ipobre, aqueles aparelhos de mp3 genéricos. Qualquer fosse seu aparelho escolhido, os fones estavam lá, a tapar-lhe as orelhas. A separá-la do metro, a escondê-la do mundo que acontecia a sua volta.
Aos poucos fui me apercebendo dela.

Suas pequenas manias a separavam da multidão anônima. Seu jeito de jogar o rosto para cima e alisar os cabelos, mexendo com a libido de todos seus espectadores, ainda que sem perceber. Seus olhos, fechados durante todo o trajeto. Suas mãos, ao mesmo tempo em que seguravam as barras de ferro, tocavam-nas como se fossem o braço de uma guitarra. Seus cabelos, molhados, secando no ar-condicionado do metrô.

Pequenos passos de dança, em meio à multidão. Um rebolar suave, devagar, gostoso. E lá vai o rosto pra trás e mais passadas de mão pelos cabelos, agora já quase secos. De repente, ela abre os olhos. Seu brilho negro seduz e assusta. Aos poucos olha ao redor, descobrindo suores, olhares, desejos. Não reconhece nenhum deles, ou prefere não os tentar. Volta a fechar os olhos e entrar em seu mundo, onde sua música, sua vida, sua dança são perfeitos para uma pequena viagem de metrô. Minha estação se aproxima. Já me preparo para pedir licença, esbarrar em um monte de senhoras com bolsas cheias de pentes, escovas, batons, esmaltes e bíblias sagradas, e finalmente alcançar a porta de saída. Olho uma última vez para a menina, ensaiando uns passos menos tímidos dessa vez. Tenho vontade de tirá-la daquela espécie de torpor e perguntar que música está ouvindo. Ouvir sua voz, descobrir seus gostos. Em vez disso saio do vagão, empurrado pela confusão de entradas e saídas, e sigo meu caminho, sem nem ao menos olhar para trás, para vê-la uma ultima vez dançando perdida em seus pensamentos.

Subo as escadas e estou novamente no mundo da superfície. O tempo não mudou muito. Uns últimos raios de sol perfuram as nuvens carregadas, esquentando e dando a cor laranja característica dos fins de tarde de inverno. Os camelos gritam, os ônibus aceleram, os carros buzinam, os guardas assopram seus estridentes apitos. Abro minha mochila e tiro dela o meu próprio tocador de mp3. Ligo em uma música qualquer e calço os fones de ouvido. Continuo a caminhar, penso na menina, em usa estação, em seus cabelos secos agora, em seus olhos fechados, em seus passos tímidos de dança. E começo a cantarolar uma canção.

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