sexta-feira, julho 31, 2009

ah...
nada como voltar a ter internet, mesmo que só por um pequeno momento de felicidade divina aqui na terra onde nada acontece.

por falar em nada acontecer, tem show do skank e uma peça massa com o wilker, que eu estava totalmente afim de ver desde sempre lá no RIo, mas que saiu de cartaz. Sair de cartaz? é assim que se fala quando uma peça para de ser apresentada?
enfim...

aproveitando a net, consegui pegar coisas novas para ouvir.
o Yo la tengo, desde já tido como um dos grandes discos do ano. (ok, ainda não ouvi, mas tudo o que eles fazem merece respeito extremo!!!)
peguei na leva, o La Roux, bom pra cacete!!!
e o novo do Reverend and The Makers, comprovando o que eu sentia: botei fé no som da banda e eles fizeram um segundo disco tão bom quanto. Me lembra muito um banda que só eu amava, o Cooper Temple Cause. Lançou 3 discaços e terminaram. falta de reconhecimento do público, né...
espero que o reverend, apesar de ser mais alegrinho, continue na estrada e consiga se manter por mais tempo. mas cada um sabe onde a calça aperta.
Até agora no segundo semestre já estão confirmados:
Little Joy
Friendly Fires
Lilly Allen
e...

THE KILLERS!!!!!!!!
é, morar no olho do furacão tem suas vantagens...

quarta-feira, julho 29, 2009

Estava deitado quando olhou para seus pés. Não era uma parte do corpo que visitava com freqüência. Seu rosto, talvez pelo espelho na parede do banheiro, era mais comum a seus olhos. Até mesmo a barriga, da qual gostava de acompanhar o progresso e regresso de centímetros com o passar dos dias no entrar e sair de dietas, era uma amiga mais presente do que os pés. Mas eles sempre estiveram lá para apoiá-lo. Nos melhores e nos piores momentos, sempre fizeram com que enfrentasse seus problemas de pé. E não são esses os melhores amigos? Os que nunca nos abandonam, os que fazem questão de estar próximos quando precisamos? E seus pés sempre estiveram lá desde o começo, suportando-o quando nem sua mãe mais o suportava.

Olhou para seus pés e viu que eles começavam a se cansar. Não tinham mais a vitalidade da infância quando corriam sem solas por ruas descalças, topando a bola e ignorando pedrinhas e pedrões. Não eram mais a nadadeira de outrora, sempre a postos para impulsionar uma entrada suicida numa vaga assustadora. Eram pés que andavam, agora, dentro de meias e calçados apertados. Pés que já não tinham mais o desenho inicial, com dedos tortos por apertos do tempo, calos em pedaços que antes não sobressaiam e solas marcadas. Seus dedos, no entanto, foram o que mais o assustaram. Neles pode ver a pele já ressecada, parecendo sobrar em cima da carne e do osso. Uma pequena flexão de músculos, um dobrar de dedos, deu à pele a sua cara amiga de sempre. Lisa, enxuta, reta como deveria ser, como deveria estar. O tensionamento não durou para sempre, como era de se esperar. E as rugas que envelheciam seus dedos voltaram.

Não se sentia velho. Na verdade, depois da separação, até se sentia mais vivo, mais moleque. A distância dos filhos, das pequenas discussões do dia a dia, dos novos cortes de cabelo da esposa, agora ex, deram um sopro de novidade em sua vida. Mas e seus pés? E seus dedos? Como puderam entregar sua idade assim, de maneira tão explícita? Porque logo eles?
Não teve duvidas e ligou para a clínica que sua esposa, agora ex, visitava semanalmente. Pelo menos para isso eles serviriam. Marcou uma data, uma hora, um momento. E lá se foi, atrás da solução para os pés, que com tantas rugas, já chamava carinhosamente de pés de galinha. Na clinica, colocou botox, fez hidratação, massagem, drenagem, esfoliação. Fez tudo o que podia. Sentiu-se bem, relaxou e até ensaiou um cochilo. Mas na hora de ir embora, lá estavam as rugas nos pés.

Em desespero pensou em tomar medidas extremas. Passagem para Bariloche, neve, esqui. Esquecer os dedos no frio, hipotermia, amputação. Adeus dedos, adeus rugas, adeus idade. Seus dias passaram a ser tomados por idéias. Precisava acabar com o problema dos dedos. Com aquelas rugas. Com aquela pele velha, com certeza, coisa da sua ex-mulher. Uma última lembrança, uma ultima sacanagem da bruxa velha. Depois de algum tempo, já não saia mais de casa. Pelo menos não sem seus sapatos bem fechados, escondendo do mundo aqueles horrorosos dedos enferrujados. E resolveu dar um basta naquilo. Parou de olhar para seus pés. Usava meias em casa, tomava banho sem os óculos, para que a miopia o cegasse, evitava olhar para baixo quando caminhava pela praia.

E um dia, assim como descobriu sua velhice, esqueceu-a. Simplesmente esqueceu do pé, dos dedos, da idade. Culpa da semana cheia, de reuniões intermináveis, da nova amante, dos jantares de negócio, da visita dos pais. Talvez a visita dos pais. Viu na mãe e no pai, nos pés deles, a vida que um dia tinha perdido nos seus próprios. Teve que ver os pés desgastados pelo tempo de seus pais para ter certeza de que o seu estava bem, um pouco marcado, é verdade, mas até que levando em consideração sua idade, parecia bem. Legal, é isso. Passou a andar por aí de sandálias e guardou as meias nas gavetas da roupa de frio.

Um dia acordou. Estava atrasado para o trabalho. Correu para o banho. Depois ainda se enxugando se olhou no espelho do banheiro. Sorriu. E percebeu no canto dos olhos umas ruguinhas estranhas que, certeza absoluta, não estavam ali antes. Começou a se preocupar. Precisava encontrar um jeito de tirar aquelas rugas dali. Onde já se viu, mostrar a idade assim, pra todo mundo.

sexta-feira, julho 24, 2009

Hoje fui ver o inimigo público com o Johnny Depp. Legalzinho. Mas o que eu quero ver mesmo é o coração vagabundo, o mini-doc com o Caetano. Mini porque são só 70 minutos.
Mas deve ser por isso que ele esta sendo chamado de um grande filme.

quinta-feira, julho 23, 2009

Pode ser que seja erro da minha parte reclamar, querer um cantinho pra mim, sozinho, exclusivo, para ouvir minhas musicas, escrever meus poucos textos, enfim, viver a minha maneira. Mas não dá para abrir mão de coisas como uma ótima loja de discos usados. Festas a perder de vista, shows como depeche mode, friendly fires ou qualquer outro que venha, e eles vem e em grande quantidade. Ou como a última coisa que vi pelas ruas do bairro de Manuel Carlos, o festival de jazz do Leblon. Bandas de jazz se apresentarão nas ruas do Leblon, neste sábado, da uma da tarde as nove da noite. Victor Biglione, George Israel e os Roncadores, e as pérolas Marcelo Camelo e Mallu Magalhães. Tocando cada um no seu show, diga-se de passagem.
É difícil, viu. Ainda mais se eu pensar que sábado tem jogo do Botafogo contra o Inter.

***

E eu que quase, digo quase, comprei o Abbey Road e o Rubber Soul, por 23 cada um? Em vez disto preferi o último do Oasis, o último do Coldplay e o último do Verve. Ok, ainda gosto de CDs. Adoro.

***
chegou watchmen duplo com 3 horas e 8 minutos de filme na locadora aqui na frente. e milhares de extras. vou querer um desses brincando!!!!!!

segunda-feira, julho 20, 2009

quer dizer que a Inglaterra vai ter que levar o lixo que mandou pra cá de volta?
po, podia aproveitar e levar uma pá de discos de banda ruins e programas de tv sem graça junto.
lixo por lixo...

terça-feira, julho 14, 2009

Não é que fosse mau-caráter ou cafajeste. Canalha, talvez. Mas não uma pessoa do mal. No mal sentido. A verdade é que nem ele mais sabia o que tinha acontecido, em que pedaço do caminho ele tinha se perdido, em que curva ele tinha virado ou não. E esse era seu problema. Não saber qual era o problema. Mas sabia com certeza a conseqüência dele. Ser uma pessoa fria, distante. Sem emoção, apesar de transbordá-las. A única saída que via era procurar ajuda. E foi o que resolveu fazer. Telefone na mão, mensagem enviada, cerveja marcada
Sabe o que é camarada, acho que parei de amar.
Ah, isso acontece. Há quanto tempo você ta com ela?
Sei lá, quase um ano.
Então, você enjoou. Normal. Todo homem enjoa depois de um tempo.
Enjoa de que, cara?
Da mulher. Você sempre sonhou em comer aquela gata. Aí, ta comendo. Começa a namorar porque quer comer ela pra sempre. E depois de duas semanas, ou um pouco mais, vai, posso estar exagerando, mas enfim... depois de um tempo você já quer comer a mulher do lado. Na verdade todas as mulheres de todos os lados. E se sente enfiado em um compromisso enfadonho, do tipo cinema, bala, casa, TV e sexo. Pior, sexo sem graça.
Mas o sexo é bom.
Sexo sempre é bom, porra. Mesmo quando é com a mulher que você já comeu um milhão de vezes. Mas não tem mais aquele fogo, aquela sensação de descoberta. Porra cara, o mundo é o que é pela sensação da descoberta. Se não fosse assim, o macaco nunca teria descido da árvore pra ver o que tinha embaixo, ninguém tinha saído da Europa, pior, você nunca teria comido outra mulher que não a sua primeira namorada.
Putz, nem vem com essa. A primeira vez foi horrível, a Aninha nem era tão boa assim de cama.
E quem é?
Eu. Hahahaahhaa. Olha só, me pede ai uma batata-frita com queijo e bacon que vou dar uma mijada.
Tá, vai lá.

Cerveja, amigo, batata-frita e conflitos existenciais. Uma bela combinação para acordar no sábado com uma dor de cabeça imensa. E a vontade de amar para sempre sua namoradinha. A mesma pela qual não sentia mais nada. O terror tomou seu corpo como uma onda. O medo de ser aquele velho rabugento que seu pai se tornara veio como nunca antes. Parecia uma sina da família, impossível de ser evitada. O cacete.

Mauricio?
Quem é?
Capo, cara. Tudo bem.
Capo? Caramba, quanto tempo. O que que você tem aprontado?
Nada demais. Liguei só pra saber se ainda tem o telefone daquela psicóloga que você ia na época da faculdade.
Tenho sim, peraí que vou pegar aqui na agenda.

Consultório psicológico, boa tarde.
Boa tarde, eu queria marcar uma consulta.
Primeira sessão?
Sim, senhora.
Que tal quinta as 19?
Tá ótimo.

Deu o nome e o endereço. Claro, ia ser pelo plano de saúde da firma. Alguma coisa tinha que valer a pena naquele antro de comedores de cu de executivos.


Ei amor.
...
É eu sei, hoje é terça.
...
Desde quando?
...
Desde domingo eu não te ligo? Mas te liguei ontem.
...
Não liguei?! Jura?
...
Claro que to brincando. Foi o trabalho, amor. Muito trabalho.
(e o fato de não te amar. Nem de lembrar que você existe, durante a maior parte do meu dia).
...
Tá bom. Saio daqui e te pego. Que filme mesmo?

Filme, jantar fora, sexo gostoso, mas sem fogo, beijo de boa-noite, despertador no dia seguinte. Tudo voltando ao normal. Ou quase tudo. O fogo tinha sumido do sexo, tudo bem. As revistas de mulher pelada, os sites na internet, sua tara por pés, essas coisas o deixavam louco e se masturbava toda noite morrendo de tesão por pés e rostos e bundas e bucetas diferentes sendo fodidas. Mas e o fogo por viver? E a comida que estava sempre sem graça? E as roupas que eram sempre as mesmas? E as ruas e as pessoas e os carros que não pareciam se mexer? E a falta de bom dia e boa noite no elevador? E seu completo desprezo por tudo e por todos, família, amigos, colegas de cerveja, colegas de trabalho, colegas do futebol.

Saiu, quinta, atrasado pra terapia. Tinha escondido de todos que pela primeira vez ia se entregar as suplicas de sua mãe e finalmente tentaria “se tratar”. O consultório era simples. Menos assustador que em filmes. A psicóloga, muito gentil. Deitou no divã, como achou que deveria fazer, apesar dela ter dito que poderia ficar onde quisesse do jeito que ficasse mais confortável.

Olá. Meu nome é Lorena.
Ei Lorena, eu tenho um problema.
Sim, todos temos. Muitos problemas.
Eu não sei mais amar.
É mesmo? Quer me contar mais sobre isso?
Acho que sim. Acho que não viria ate aqui se já não tivesse tomado essa decisão.
Então, pode começar.

Contou como estava se sentindo. Como era sensível, como chorava com músicas, como se emocionava com belos filmes, como gostava de cachorros e rinocerontes. E como não conseguia sentir mais nada por sua namorada, por sua mãe, por seus primos e amigos.
Contou que desde sua primeira namorada não conseguia mais se relacionar como um adulto com as mulheres, que começava a achar que elas só serviam para uma alivio momentâneo, na hora do gozo. Que dividir momentos era um saco. Que esperar era um saco, que levar e buscar e ter que perceber o novo penteado, a nova cor nas unhas era tudo um grande saco. Ia começar a falar outras coisas, muitas outras coisas, mas sabe como é, seu tempo acabou.
A gente pode marcar semana que vem, mesmo dia, mesmo horário.
Tá, pode ser.
Marcou. E não foi. Não acreditou na psicóloga. Pensou que como na maioria dos casos que conhecesse pudesse se apaixonar por ela. Mas depois daquela primeira sessão, só teve uma certeza, a de que nunca se apaixonaria por uma psicóloga em sua vida.

Foi para casa e ficou olhando a cidade pela janela. Pessoas que passavam de mãos dadas, casais felizes se abraçando, entrando e saindo de restaurantes, carros cheios de esperança às portas dos motéis. Gente como ele. Não, não como ele. Gente que não se pergunta, que não se descobre. Que deixa ir. Que vai. E quando vê, foi. Assim, sem ter certeza, sem ter sentido. Preferia não amar a se tornar mais um autômato daqueles.

Esqueceu de ligar para a namorada dois dias seguidos. Ela também não o procurou. Sentiu um alivio imenso e percebeu que não tinha mais como continuar com aquela farsa. Com aquela sua impossibilidade. Ligou no terceiro dia. Ela já meio sem emoção. Sabia o que aconteceria, chorou. Ele não. Sentiu-se muito mal, mas não conseguia demonstrar que aquilo estava sendo difícil. Não estava. Estava sendo ótimo. Ter sua vida de volta, todos os seus segundos a sua inteira disposição. Ficou enjoado assim que desligou o telefone. Correu para o banheiro mas não vomitou. Deitou e dormiu.

No dia seguinte, no trabalho, viu que precisava conversar. Telefone, amigo, cerveja.

Cara, terminei.
E essa voz de felicidade é por isso?
É. Não dava mais, não agüentava mais.
Que bom, assim pelo menos você se lembra dos amigos. Por falar em amigos, hoje é o aniversario do Manoel. Daqui a pouco o pessoal vai se encontrar lá no Bar do Mena. Vamos?
Passa aqui? Ou passo aí?

Os amigos, todos sem suas respectivas, estavam todos lá. Comemoraram o aniversário bebendo até não agüentarem mais. Alguns foram embora mais cedo, as esposas estavam esperando em casa. Outros ligaram dando alguma desculpa e continuaram a se embebedar. Só Capo estava livre, feliz, completo. E sem amar. Lá pelas tantas, os últimos bêbados resolveram ir a um show de strip-tease. Foram juntos, contando vantagens e histórias de transas fantásticas com mulheres fantásticas. Nenhuma com suas namoradas, suas mulheres, seus casos.

Na boate, as meninas cansadas dançavam para os muitos bêbados que enchiam a casa. A meia-luz iluminava mal estrias e celulites. A musica brega embalava homens de barba mal-feita e gravatas desamarradas que babavam em cima das moças já não tão belas. Algumas doses depois, decidiram ir embora. Foram todos, menos Capo. Ele resolveu ficar, aproveitar que não ligava para ninguém pela manhã, tarde ou noite. Resolveu comer uma puta. Já tinha bebido muito naquela noite. Estavam comemorando entre amigos o aniversario de um deles. Um qualquer. Já não importava muito. Queria gozar e não estava a fim de bater uma punheta no quarto, sentado bêbado na frente do computador. Ficou meio sem graça no começo. Ate que ela começou a conversar. Não tinha muito papo. Perguntou seu nome, o que fazia, se estava com problemas em casa. Ele não respondeu muito. Não queria conversar. Foram pro quarto. Ela tirou a roupa e o despiu em seguida, devagar, beijando seu corpo. O sexo começou tão sem graça quanto o que fazia em casa e só então, entre as cortinas dos álcool, conseguiu se situar. Olhou para a completa estranha embaixo do seu corpo, seu pau dentro dela. Que tipo de amor era aquele? Como ela podia se amar tanto, como dava pra seguir vivendo dia após dia? Que tipo de amor ela tinha por caras como ele, que pagavam por um pouco de sexo? Para sentir-se querido, poderoso, feliz? Como se doar para que estranhos a comessem, enfiassem o dedo em seu rabo, xingassem, suassem, gozassem e saíssem sem um beijo de boa noite? Sem um único beijo de boa noite. Não era pedir muito. Ele hesitou um segundo. Parou. Sentou na beirada da cama e começou a chorar. Ela entendeu. Claro que entendeu. Era só mais um cliente. Quantos já não haveriam feito isso?

Ela o deixou sozinho no quarto e foi para o banheiro. Ele se recompôs.Tirou da carteira umas notas e deixou em cima do criado-mudo. Ela saiu do banheiro, de banho tomado, cheirando a algum perfume forte. Os cabelos ainda molhados. Vestia uma robe de cetim vermelho, puído. Levou-o ate a porta. Ele se despediu com um pedido de desculpas, uma boa noite e um beijo. Andou, entre lagrimas, até seu carro. Dirigiu, entre lágrimas, até a sua casa. Deitou-se, entre lágrimas, e dormiu em paz. Ele tinha voltado a amar.
Devia fazer umas cinco semanas desde que Marcio tinha ido pescar pela última vez. Era uma coisa que adorava fazer. Pegar a estrada e ir para o Pantanal, alugar um espaço na chalana e mandar a isca para a água. Desta última vez, há umas cinco semanas atrás como vocês já sabem, Márcio tirou a sorte grande. Pescou um belo Dourado, que fez questão de congelar e levar para a casa. É que seus tios vinham visitá-lo e, nada mais hospitaleiro, do que oferecer uma bela peixada, ainda mais com aquele Dourado fresquíssimo, pescado por ele mesmo.

O vôo não se atrasara e no dia marcado, lá estavam eles na fila da esteira esperando para pegar as malas. Marcio reconheceu seus parentes, apesar do tempo que deixara marcas em seus rostos e chumaços de cabelos brancos em seu tio e de um vermelho pouco convincente nos de sua tia. Aeroporto, carro, garagem, elevador, casa.
Bem vindos à minha humilde residência.
Nossa, você está bem, que casa bonita. Tá vendo Norberto, eu disse que o Paulinho tinha que ter estudado essas coisas de computador. Olha como o Marcinho tá bem. Mas não, que menino teimoso, quis fazer direito, agora fica aí, sem passar na Ordem, tentando essa prova toda hora.
Deixa nosso filho, Virginia. Ele fez o que quis. Tá feliz.
Feliz, mas sem dinheiro. Onde já se viu...
Aham... Poxa tios, tava com muita saudade de vocês. Faz tanto tempo.
É, faz o que? Uns dez anos que a gente não se vê?
Por aí, tia. O Paulinho ainda tava na faculdade quando fui passar o verão na casa de vocês.
É, ai que época boa. Mas me conta, o que você tem feito da vida? Não casou, pelo jeito. Nem uma namoradinha?
Ih, tia a história é longa. Senta aí que eu conto.

***
Márcio contou sua história. A mudança pra Mato Grosso, o dinheiro que a firma economizou com seus programas de computador, as viagens para pescar no pantanal.
Inclusive, tenho uma surpresa para vocês. Pesquei um dourado lindo e vou preparar amanhã pra gente almoçar. Até chamei a empregada, pra me dar uma ajuda.

***

Blim Blom. Porta aberta, bom dia seu Márcio. Bom dia Ana. Meus tios foram dar uma volta pela cidade, comprar o jornal, ver umas vitrines. Tirei o peixe ontem de noite, deve estar descongelando. Ta ali em cima da pia. Vou tomar um banho e já venho te dizer o que eu quero fazer com o dourado.

Márcio vai para o banheiro. Liga o chuveiro. Espera a água esquentar e se joga debaixo da ducha, acordando para o dia que virá. Mas antes de terminar de passar o sabonete nos dois suvacos, escuta o grito vindo da cozinha. Torneira virada, água desligada, toalha enrolada, porta do banheiro aberta. O que foi Ana? Tudo bem?
Socorro!!! Seu Márcio vem aqui. Socorro!!!!
Márcio corre do banheiro para a cozinha. Quando vira o corredor e entra pela cozinha, para abruptamente. A toalha cai no chão. O Dourado, em cima da pia, respira e abana o rabo.
O peixe tá vivo?
Ana não responde, ela está encostada na parede, agachada e com as mãos em volta da cabeça.
É isso, Ana? O peixe tá vivo?
Sem resposta.
Fica calma. Pensei que ele tivesse morrido. Isso acontece, não fica assim não. A gente dá um jeito aqui, olha. A gente mata ele e prepara o almoço.
Ana não abre o olho nem se mexe. O dourado, em compensação, para de abanar o rabo.
Como assim, me matar e fazer o almoço? Tá maluco?
Dessa vez o grito veio do Marcio. O Dourado, o peixe, não só estava vivo como estava falando. E falando com ele.
E, por favor, dá pra você pegar essa toalha do chão? Não é muito agradável ficar olhando para um homem nu. Sou macho, se você não percebeu.
Marcio pega a toalha e se cobre. Ana continua na mesma posição.
Ana, não é? Seu nome é Ana. Não precisa ficar assim. Dourados não mordem. Quer dizer, mordemos se tiver isca. Mas sempre acabamos nessas geladeiras.
Ana aos poucos começa a olhar para o peixe.
Prometo que não vou te fazer nenhum mal, tá?
Ta, responde Ana, entre lágrimas de horror. Você deixa eu ir embora?
Claro, pode ir.
Ei. Quem tem que deixar ela ir embora aqui sou eu.
Que é isso Márcio? olha como ela está. Deixa a coitada ir.
Mas e eu? Quer dizer, e o almoço?
Você não vai mesmo vir com essa idéia de me matar, não é? Acho melhor botar logo uma água pra ferver e pegar o pacote de macarrão.

Ana se levanta, pega sua bolsa e sai sem nem ao menos se despedir. Márcio sabe que vai precisar encontrar outra empregada que possa ir aos fins de semana arrumar sua casa.

Tá, agora que ela foi embora, o que que eu faço?
Já falei, faz um macarrão. Tem molho bolonhesa congelado, lá no fundo do freezer. Eu sei, fiquei lá do lado dele um tempão. Por falar nisso... caramba hein. Cinco semanas congelado. Pensei que você tivesse esquecido de mim.
O dourado se debate e da pia vai para o chão da cozinha. De lá, começa a se mexer e andar pela cozinha. Depois passa para a sala e com outra debatida, senta no sofá.
Como é, não vem conversar comigo? Aproveita e liga a TV que vai começar o jogo do campeonato italiano.
Márcio sai da cozinha, liga a TV e vai para seu quarto. Toma um remédio pra dor de cabeça, um calmante e um gole da garrafa de uísque que guarda no armário para emergências. E volta para a sala.
Vem cá, você é mesmo um peixe?
Sou um dourado. Você que me pescou, devia saber.
Mas você fala.
E?
Nunca vi peixe falar.
Já tentou conversar com um antes?
Hum... não.
Pois é. Vai ver foi por isso que você nunca falou com outro antes.
O Milan atacava e um chute bateu na trave do Genoa.

Olha, a idéia do macarrão foi serio, viu. Se quer fazer um almoço é melhor descongelar o molho e colocar a água pra ferver.

Não foi muito fácil achar forças pra se levantar, já meio grogue do uísque com calmante. Mas o molho descongelou no micro-ondas e o macarrão ficou Al dente, como gostava. Seus tios não engoliram muito bem o porquê da mudança do prato principal.
O peixe tava estragado.
Mas não tava congelado? Nunca vi peixe congelado estragar.
Vai ver estragou no barco. Na viagem pra casa. Sei lá...

O Dourado tinha combinado ficar quieto. Desde que Marcio o deixasse em sua cama, com a TV ligada no canal de esportes. Precisava descansar um pouco. Não é fácil ficar cinco semanas congelado. Além do mais, queria ver o resumo da rodada do italiano. Durante o tempo congelado não teve como acompanhar os resultados do campeonato.

Quando seus tios finalmente foram dormir, Marcio resolveu dar um jeito na situação.
Voce não pode ficar aqui.
Mas foi você que me trouxe.
Sim, mas não pode.
E vou pra onde?
Sei lá. Pra rua.
Pra rua? Fazer o que? Pedir esmola? Quanto tempo você acha que eu posso ficar na rua sem ser assassinado por algum cão selvagem? Ou pior, por algum sem-teto faminto? É capaz de me comerem vivo.
Mas e então?
Como e então?
E então o que eu faço com você?
Me leva de volta pra casa.
Impossível. Ia ter que andar mais de 100 quilometros de carro, só pra te jogar num rio. Te jogo no rio daqui da cidade mesmo.
E me mata asfixiado. Já viu como ta poluída a água desse rio?
Bom, você não me dá escolha...
Me deixa aqui, vai. Só por um tempo. Quando seus tios forem embora eu vou também. Até lá, acho que seria legal você me apresentar a eles.

Os tios, apesar de acharem bem estranho a idéia de um peixe falante, logo se deram bem com ele. Tanto que adiaram a passagem e resolveram ficar mais alguns dias. Uns dez, ao todo. Vocês precisavam ver como se divertiam os três. O Dourado, uma flor de pessoa (Ok, nem flor, nem pessoa. Peixe). Conversava com Tio Norberto sobre pescarias durante quase todo o dia. Com Tia Noêmia fazia companhia nas horas do crochê, sempre elogiando os desenhos e as barras dos panos e toalhas, e na hora da novela. Apesar de não acompanhar por algum tempo a história do folhetim, logo tinha se inteirado da trama. E tinha lido os resumos dos capítulos de toda a semana, o que Tia Noêmia achava muita graça. Depois do jornal das dez, as partidas de gamão e cartas eram animadas. Muitas risadas e xícaras de chá. Marcio ouvia a chaleira apitar de duas a três vezes durante a madrugada. Já não conseguia dormir direito. Nem com calmantes e uísques. Suas noites viraram pesadelos acordados. O dourado e seus tios, como amigos de infância. Restava a ele cozinhar, lavar os pratos, servir o café. Na empresa já comentavam como seu rendimento havia caído. Não era mais o mesmo. Os programas davam problemas e mais problemas. Foi pego dormindo no expediente mais de duas vezes. Seu chefe já tinha conversado com ele na segunda e na quinta. E seus tios só iriam embora na outra quarta. O pior é que o peixe não dormia. E aos poucos começou a cheirar mal. Suas roupas, seus tênis, sua casa tinha um cheiro forte de peixe fora d’água. Os vizinhos já olhavam pra ele atravessado. No trabalho, acabou tendo uma conversa séria com o chefe que achou melhor dar uns dias para descasar. Mas se Marcio não voltasse bem, ele teria que mandá-lo embora.

A porta da casa abriu mais cedo. Era Marcio. Os tios e o dourado estranharam.
Mas já, tão cedo?
É. Me deram uns dias de folga. Olha, precisamos conversar.
Marcio se sentou e explicou a situação. Os tios, muito chateados, pediram desculpas. Não queriam atrapalhar a vida do sobrinho tão querido. Mas é que aqueles dias com o peixe tinham sido tão divertidos que eles nem perceberam. Concordaram em antecipar a passagem que já tinha sido adiada uma segunda vez. O peixe é que não falava nada. Só olhava, com seus olhos de peixe, sem piscar.
No dia seguinte, a despedida com muitas lágrimas e abraços. Foram-se os tios. Ficaram Marcio e o dourado.
Bom, foi legal enquanto eles estiveram aqui.
É. Mas visita, você sabe como é. É igual peixe. Depois de um tempo começa a feder.
Isso não foi nada bom de se ouvir.
É, eu sei. Vou me deitar. Amanhã começa uma nova empregada aqui. Preciso acordar cedo para mostrar o que ela tem que fazer. Boa noite.
Boa noite.

O dourado continuou na sala se divertindo com algum programa de fim de domingo. Marcio voltou, andando cuidadosamente, e se jogou em cima do peixe. A luta na chalana voltou a sua mente, o dourado se debatendo debaixo de suas mãos, a isca na água, a primeira visão do grande peixe. Em poucos momentos, o dourado estava dentro de uma sacola de plástico. Sem pensar duas vezes, abriu o freezer e jogou a sacola com o peixe lá dentro.

Fazia tempo não conseguia dormir tão bem. Sonhou com pescarias e peixes que não falavam. No dia seguinte a campainha tocou cedo. Marcio pulou da cama e abriu a porta para a nova empregada, Zulmira. Explicou como queria a casa limpa, como queria as roupas passadas e como queria o molho à bolonhesa para congelar.
Os potinhos com o molho, a senhora pode colocar dentro do freezer mesmo, ta vendo? Bem aqui, do lado do peixe.
Sim senhor, pode deixar.
Mas faz um favor pra mim. Não escreve nos potinhos, tá.
Tá, sim senhor.
É que eu não gosto que o peixe fique lendo o que é que tem dentro da minha geladeira.
Tem dias em que a preguiça de andar até o ponto de ônibus mais próximo me faz escolher o metro como meio de transporte. Mesmo tendo que pagar alguns centavos a mais. Ontem foi um desses dias. O tempo não estava lá grandes coisas, ou seja, meio nublado, meio quente. Nem o sol de verão, nem a escuridão carregada das nuvens do inverno. O ar-condicionado do metro seria uma boa opção, apesar de a garganta arranhar um pouco e do nariz teimar em escorrer a cada minuto.

Fila para comprar o bilhete. Fila para entrar no vagão. Fila para ver quem fica perto da loiruda, podendo ser premiado com uma encoxada de leve. Fila para ficar ao lado da porta, já se preparando para a saída, no horário do rush de pessoas famintas por sofá e novela. Sentar, nem em sonhos. Então vi a menina dos cabelos molhados.

Em pé, ao lado de três cidadãos de bem, mas que não tiravam os olhos dela, a menina de short jeans por cima de uma meia calça preta, de mochila nas costas, de cabelos castanhos, de cabelos molhados, de cabelos curtos escutava seu celular. Ou seu Ipod. Ou seu Ipobre, aqueles aparelhos de mp3 genéricos. Qualquer fosse seu aparelho escolhido, os fones estavam lá, a tapar-lhe as orelhas. A separá-la do metro, a escondê-la do mundo que acontecia a sua volta.
Aos poucos fui me apercebendo dela.

Suas pequenas manias a separavam da multidão anônima. Seu jeito de jogar o rosto para cima e alisar os cabelos, mexendo com a libido de todos seus espectadores, ainda que sem perceber. Seus olhos, fechados durante todo o trajeto. Suas mãos, ao mesmo tempo em que seguravam as barras de ferro, tocavam-nas como se fossem o braço de uma guitarra. Seus cabelos, molhados, secando no ar-condicionado do metrô.

Pequenos passos de dança, em meio à multidão. Um rebolar suave, devagar, gostoso. E lá vai o rosto pra trás e mais passadas de mão pelos cabelos, agora já quase secos. De repente, ela abre os olhos. Seu brilho negro seduz e assusta. Aos poucos olha ao redor, descobrindo suores, olhares, desejos. Não reconhece nenhum deles, ou prefere não os tentar. Volta a fechar os olhos e entrar em seu mundo, onde sua música, sua vida, sua dança são perfeitos para uma pequena viagem de metrô. Minha estação se aproxima. Já me preparo para pedir licença, esbarrar em um monte de senhoras com bolsas cheias de pentes, escovas, batons, esmaltes e bíblias sagradas, e finalmente alcançar a porta de saída. Olho uma última vez para a menina, ensaiando uns passos menos tímidos dessa vez. Tenho vontade de tirá-la daquela espécie de torpor e perguntar que música está ouvindo. Ouvir sua voz, descobrir seus gostos. Em vez disso saio do vagão, empurrado pela confusão de entradas e saídas, e sigo meu caminho, sem nem ao menos olhar para trás, para vê-la uma ultima vez dançando perdida em seus pensamentos.

Subo as escadas e estou novamente no mundo da superfície. O tempo não mudou muito. Uns últimos raios de sol perfuram as nuvens carregadas, esquentando e dando a cor laranja característica dos fins de tarde de inverno. Os camelos gritam, os ônibus aceleram, os carros buzinam, os guardas assopram seus estridentes apitos. Abro minha mochila e tiro dela o meu próprio tocador de mp3. Ligo em uma música qualquer e calço os fones de ouvido. Continuo a caminhar, penso na menina, em usa estação, em seus cabelos secos agora, em seus olhos fechados, em seus passos tímidos de dança. E começo a cantarolar uma canção.

quinta-feira, julho 09, 2009

Ando pelas ruas e olho para todos os lados. Vejo mais do que procuro, o tempo todo. Sempre. Inapelavelmente. São as mulheres rápidas, com suas calças de ginástica, seus cabelos presos, as mulheres de pernas cariocas, shortinhos e cabelos dourados, as meninas que andam com seus queixos harmoniosos, com suas bochechas coradas, balançando seus corpos.
De certa forma, respondo-as. Do meu jeito, catwalking nas passarelas nas quais as calçadas se transformaram. Onde antes andávamos a pensar na vida, a olhar vitrines, simplesmente indo de um lugar para outro, hoje somos afrontados. Temos que nos colocar em nossos lugares. Abaixar a cabeça, olhar o chão e continuar nossos passos, esquecendo os manequins que, como no filme, ganharam vida e passeiam pelas ruas tramando contra os humanos normais.
Já não penteio o cabelo, já não conto mais as calorias do meu sanduíche de queijo branco e peito de peru, já esqueço de tomar banho e passar o desodorante, já não faço mais a barba, já aposentei a salada do meu prato.

E daí? Não é isso mesmo que eles querem? Que cada vez mais deixemos de querer estar em um futuro próximo ao largo deles, eu digo ao largo, não em proximidades. Porque ao abrirmos mão de estarmos ao largo, ainda que lá possamos sentir suas presenças, seus perfumes, ver os vultos ou as sombras de corpos perfeitos, deixamos de viver em fantasia e podemos pisar novamente em um mundo normal. Deixemos que eles se perpetuem, em bandos de bebês bem nutridos, a trocar fraldas na beira mar. Deixemos tudo para eles. As ruas perfeitas e torneadas, a paranóia, o tédio, a mesmice e o prazer, afinal, merecem. Em outros lugares somos mais felizes. Ou pelo menos podemos andar olhando para cima, olhando nos olhos e nos rostos de outras pessoas de verdade. Como nós mesmos.

quarta-feira, julho 08, 2009

O mundo tem, bom, o tamanho de um mundo e nele você tem um espaço de 2 ou 3 metros quadrados pra chamar de seu.
A não ser, claro, que você tenha um carro. Aí pode chamar as estradas de suas também. Pagando IPVA e tudo mais, pelo menos elas deveriam ser suas também. Mas agora, privatizadas, você precisa pagar ainda mais, em forma de pedágios, para não ter a estrada. Estranho.

E há, óbvio, o problema do dinheiro para se colocar combustível no carro. Imagina se aqui fosse a Venezuela, com seus litros de independência a poucos centavos. Acho que iria morar no asfalto quente do fim de tarde. Sem rumo, sem direção. Andando sempre um pouco na contramão.

domingo, julho 05, 2009

e cansei de vocês.
Todo dia era a mesma coisa. Pela manhã, enquanto preparava seu café com leite debruçado na pia, olhava pela fresta que o basculante oferecia a vida lá fora. Olhava e criava histórias para as pessoas nas ruas que dividiam alguns de seus segundos pelo pequeno espaço deixado entre vidros e esquadrias de aço escovado.
ainda incompleto...

****

Ele anda pelas ruas do centro do Rio de Janeiro. Os paralelepípedos, já não tão bem assentados depois de centenas de anos servindo de apoio para pés de nobres e plebeus, fazem com que torça o pé todos os dias. A dor do lado de seu pé direito é constante. E ele luta com ela, pisando aqui e ali, tentando não torcer o pé, tentando acertar a passada, com cuidado, olha o buraco, olha a pedra portuguesa solta, lá vem o carro e pronto. Pé torcido mais um dia. Um puxão de dor, que no dia seguinte não estará bem. E que ainda vai ser causa de mais uma pequena torção no pé direito.

Mas não é isso que nos interessa. Em verdade, pouco nos interessa nessa narrativa.

Elas andam tristes. Cabeças para baixo, mais fugindo dos olhares do que olhando o chão. Calças daquelas compradas em bancas de promoção de lojas populares de roupas femininas. Perfumes baratos, imitações de fragrâncias famosas, com vida útil de poucos minutos. O suficiente talvez para que elas se sintam cheirosas, ainda que em pouco tempo o único cheiro que reste seja o de álcool, também barato.

A garganta começa a queimar. Vem de baixo para cima. O gosto de ácido na boca, a queimação chegando até a língua. Gastrite. Refluxo. Ele para em uma lanchonete. Vê frutas e receitas penduradas por todos os lados. Pede um suco de cacau e sai pela rua bebendo.

Ela coloca as mãos em sua nuca. As duas, ao mesmo tempo. Como se estivesse cansada, com dor no pescoço talvez. Faz isso com tanta naturalidade e com tanta sensualidade que ele não pode deixar de olha-la. Ele continua a acmpanhar o andar, sem jeito, da menina triste, como tantas outras. Ela encontra seu olhar. Encantado, ele não consegue desviar seu olhar e seus olhos se encontram por momentos mínimos. Ela é quem foge. E volta a olhar para baixo, como todas as outras. E sorri.
Entrei no ônibus e me sentei atrás de todo mundo. Fiquei olhando para o céu, escuro já, e para as pessoas que me acompanhavam em mais essa viagem, ruas adentro e bairros afora. Olhava para as costas delas, costas que me deram quando escolheram os assentos à minha frente. E me senti só. Pensei em como tinha passado o meu domingo.

Um dia comum, cansado e descrente. Fiquei em casa, esperando passar as diversas folhas do jornal, uma a uma. Esperando passar os minutos que me levariam ao jogo na TV, um a um. Esperando passar as horas, mais pesadas do que leves hoje em dia, uma a uma. Infelizmente, não pude me dedicar ao ócio nada criativo, apenas ócio mesmo. Precisava comer. A fome já se mostrava astuta, me lembrando um leão, de cujo rugido não conseguia mais me esconder. Me lembrei do leão daquele pequeno zoológico, daquela pequena capital, que estava em uma pequena jaula. Muito pequena, coitado. E ele lá, amuadinho. Quieto. Cara de bobo. De repente, uma mandíbula se abre e eis que surge um rugido de estremecer todo o zoológico, e todos os bichos que estavam por ali, dentro das jaulas e fora delas.

Em poucos segundos a fome me fez listar mentalmente uma série de opções de pratos principais. A cada um deles pesava os pros e os contras. Os sabores e a facilidade em cozinhar cada uma daquelas opções. A menos trabalhosa era a famosa galinha assada de padaria. Inclusive, fazia algum tempo que não comia galinha. Ou frango. Nunca sei realmente se como um exemplar galináceo do sexo masculino ou feminino. Sei que todos eles tem peito, asas, duas coxas e sobrecoxas. O resto, como tripas, cabeça, pescoço, pés, prefiro não saber.

Vesti uma roupa de domingo. Aqueles casacos com capuz de uns quinze anos atrás, da minha primeira e ultima viagem para a Disney, que você só pode vestir para sair aos domingos, necessariamente de inverno, e apenas até o meio-dia. Depois corremos o risco de ser preso por atentado violento ao pudor. Ou pior, entrarmos em um antiquário e sermos colocados na vitrine. De qualquer forma, foi com a roupa de domingo, casaco vermelho desbotado com capuz e calça de moletom, cinza e larga que fui comprar meu almoço. Nas ruas as pessoas pareciam não se importar. Afinal era um domingo. A caminhada pelos ventos nas esquinas não durou muito e já estava eu na fila do frango. Cupom fiscal pago, a comprovação de que uma daquelas pequenas aves a girar dentro da famosa televisão de cachorro era de minha propriedade. O cheiro era de deixar qualquer cachorro louco. Talvez por isso os domingueiros levassem seus cães de todas as raças e tamanhos para acompanhá-los no ritual dominical da compra do frango. Um ritual que se torna cada vez mais tradicional, passando em muito a homilia ou o show de calouros do Silvio Santos. Mas nada se compara ao que passei neste domingo, em particular. Ao lado da padoca, tem uma bela banca de jornais, vendendo desde refrigerantes e brinquedos eletrônicos até jornais mesmo. E em cima de seu toldo verde e branco, estava pousada uma pomba. Pombas dessas comuns, de cidade grande, sabe. A pomba pousada olhava cada um de nós, na fila do frango. E não se mexia. A pomba parada, condenando-nos em seus pensamentos de pomba, almoço achado em restos pelo chão, coco em carros e ombros, fila para comprar frango. Frango, quase um pombo, quase eu.

Encarei a pomba. Pombas, nem posso mais me alimentar direito. Pensei ainda em jogar em cima do toldo da banca um pedaço de frango, recém-tirado da televisão canina. Mas vai que o dono da banca encrenca comigo. Deixei de lado a idéia. E a pomba. Aos poucos, seus pensamentos, sua auto-consciência esvaneceu. Ela, ave vingadora, a nos culpar pela sorte das primas, se tornou mais uma vez um rato de asas e como tal, voou em direção a senhora que estava sentada em um banco, perto da padaria, distribuindo pedaços de pães que acabara de comprar na padaria. Só para terminar, o frango estava delicioso. Comi, com pele e tudo.

A última menina interessante se levantou e puxou a cordinha do ônibus. Antes, tentara falar com Amaro muitas vezes. Em nenhuma ele a atendeu. Como estava bem atrás dela, pude ver seu celular. E prestar atenção, sem ser notado, em seus olhos azuis, que pouco combinavam com o cabelo caramelo, preso em um rabo de cavalo primário, feito com aqueles elásticos de dinheiro. A surpresa ao vê-la de corpo inteiro. Em vez da menina pequena, frágil, como seu rosto de perfil sugeria, surge uma mulher alta, bota marrom, camisa verde, bunda grande, pisando firme e brilhando em sua força, colocando os poucos homens que ainda a acompanhavam no coletivo em seus devidos lugares. Meninos. Nesse momento dei graças por estar mais perto de casa. Não precisaria ficar muito mais tempo sozinho no ônibus, idealizando a mulher pequena que a grande não era, sofrendo por querer algo que nem existia. Além do mais, chegando em casa, pelo menos tinha certeza do que estaria a me esperar. O resto do frangopomba de domingo que ainda estava na geladeira. Sem surpresas.
No Vermelho
Por
Luis Fernando Taylor


CENA 1 - ONDAS SONORAS

JUAREZ
Me dá isso aqui

ANTÔNIO
Mas eu

JUAREZ
Mas eu nada. Você tá aí apertando
um monte de botão. Nem sabe pra
que que serve cada coisa. Depois
se quebrar meu celular novo não
vai ter dinheiro pra pagar.

BARULHO DE TECLAS DE CELULAR

ANTÔNIO
Como se você soubesse o que que
tá fazendo...


CENA 2 - RUA. EXT.DIA
camera subjetiva (camera do celular) em plano sequencia
A câmera mostra o céu. Entra em cena a cara de Juarez.

JUAREZ
(em dúvida)
Mais que você garanto que sei. Ô
cara chato. O aparelho não é meu?!

ANTÔNIO
Quê?!

JUAREZ
Peraí que aconteceu um negócio
aqui.

ANTÔNIO
O quê?!

JUAREZ
Tô aparecendo aqui, ô.

ANTÔNIO
(desdenhando)
Uai, não é o seu celular novo?
Vai ver é ensinado, pra ficar com
a mesma cara do dono.

JUAREZ
Você tá é com inveja que fui eu o
sorteado.

ANTÔNIO
Inveja por que?! Você nem sabe
usar esse negócio. Fica aí só te
mostrando. Eu prefiro usar o
orelhão.

JUAREZ
Invejoso!! Olha aí.
A imagem de Antônio é que entra agora em cena.

ANTÔNIO
Tô me vendo.

JUAREZ
Como assim?! O celular é meu. Tem
nada que se ver aí. Me dá isso
aqui.

Volta imagem de Juarez em cena.

JUAREZ
Agora sim. Rapaz bonito.

ANTÔNIO
Rapaz cego, isso sim.

JUAREZ
O quê?!

ANTÔNIO
Nada não. Disse que esse treco tá
com problema. Não sai nada daí.
Só fica mostrando você, depois
eu, depois você.

JUAREZ
Problema é? Será?

ANTÔNIO
Acho que sim. Pergunta aí pro
caboclo que tá passando.

Imagem mostra rapaz de bicicleta. O celular/câmera é
chacoalhado de um lado pro outro.

JUAREZ
Ô! Ô da bicicleta... EI!!!

RAPAZ DA BICICLETA
(sem parar a bicicleta)
Que é?

JUAREZ
Sabe mexer nisso aqui? A gente
precisa de uma ajuda...


RAPAZ DA BICICLETA
Liga pra moça da operadora. Ela
te ajuda.

ANTÔNIO
Moça da operadora. Liga aí,
Juarez.

JUAREZ
E você sabe o número, Antônio?
Antônio pega o celular. Barulho de tecla de celular.
Antônio leva o celular até a orelha.

ANTÔNIO
Deu nada, não. Tá mudo.

JUAREZ
ô desgraça, viu?!

ANTÔNIO
Vai vê a moça viu sua foto aqui e
nem quis falar. Ficou com medo.
Você é muito feio.

Antônio ri. Juarez pega o celular de novo.

JUAREZ
Tem porra de moça nenhuma.

Barulho de teclas de celular. Celular cai no chão.

ANTÔNIO
Qué isso rapaz?! Ficou louco?
Jogando isso assim no chão.

Antônio pega o celular.

ANTÔNIO
ô menino!!!

Celular mostra um menino de uns 5 anos se aproximando
andando.

MENINO
Que é?

ANTÔNIO
Sabe desligar esse negócio aqui.

Menino se aproxima. Pega o celular e entra em cena.

MENINO
É aqui ó moço.

JUAREZ
Aqui onde?

MENINO
Aqui, no vermelho.

Imagem se apaga. Tela preta.


FIM
O Cinema Novo

Faz algum tempo, descobri o nome Glauber Rocha. Não devia ter mais do que uns quinze anos. Mas já gostava muito de cinema. Infelizmente, para mim, meu referencial de cinema passava por Hollywood, pelo cinemão americano, apesar de idas esporádicas a sessões de filmes independentes e europeus, coisa de uma tia que realmente gosta de cinema.

Voltando a Glauber, obviamente fui da turma do Marcelo Madureira. Achei tudo uma merda. Mas, descontando a idade e a falta de profundidade no conhecimento de cinema, é o que a grande maioria das pessoas acha mesmo. No entanto, tive a oportunidade de cursar uma faculdade na área de humanas e estudar cinema, primeiro em uma pós-graduação, depois na Darcy Ribeiro. E como diria Pascal, não me arrependo em mudar de idéia, pois não me arrependo em pensar. O segundo contato com o cinema novo, visto não mais como um simples espectador, mas agora como um estudioso no assunto, me trouxe uma sensação próxima ao sublime.

Entender a realidade do cinema no Brasil, pré-cinema novo, e ver a revolução causada por pirralhos, jovens como os que vemos aos montes na rua, nas festas, nas universidades, é o primeiro passo. Perceber um cinema combativo, inundado de ideais e ideias e alinhar com a realidade mundial deste mesmo momento, a década de 60, a lutas de classes, a tentativa de uma mudança ideológica a partir do comunismo é dar mais um passo para compreender e admirar. Ligar isso a realidade nacional do momento, pré-golpe, e obter a leitura dos filmes dentro desse contexto maior, é o passo final para entender a importância do cinema novo para a cultura nacional e mundial.

Pela primeira vez víamos um país que nossos olhos não alcançavam. Nossas desigualdades, nossas diferentes realidades, nossos irmãos brasileiros, nem tão irmãos, nem tão cidadãos, nem tão lembrados. Um grupo, o qual Glauber fazia parte, pensava em mudar a realidade do país por meio do cinema. Por meio de sua arte, expor as diferenças e calcados no pensamento marxista buscar a revolução.

Deu no que deu.


inicio sem fim de um trabalho para a escola de cinema.
Vejo a menina quase sem cabelo me olhando. Olho para ela também. Nos encaramos e isso é o suficiente para nos orgulharmos. Os sorrisos e as risadas são divididas. Os sotaques, diferentes, mais pela grandiosidade do país do que pela nossa realidade, se encontram. As nossas diferenças são conhecidas, nossas diferenças se encontram, as nossas personalidades estão mais próximas, nossas coincidências são apenas nossas. Ela sorri e sorrio com o sorriso dela.
Fico bobo, mais uma vez. Minha vontade é de dividir essa vontade de beijá-la com seu lábio, agora lindo e vermelho de paixão, ainda escondido.

Vou para casa. O ônibus me larga em frente ao portão. De lá, como um resto de rabada e outro resto de purê de batatas com língua. Deito, tentando dormir, e olho para minha barriga, neste momento, cada vez mais gigante e assustadora. As meninas ao meu lado, dizem ser linda, de verdade, mais próxima delas. Começo a pensar que elas são a realidade da minha infelicidade, do meu desleixo e começo a pensar em como começar de novo, como realizar cada pedaço de verdade ainda perdido pelo tempo em minha cabeça.
Chega o momento em que prefiro não continuar a pensar. Só deixo a vontade de me engatar numa fila de estudantes de publicidade e gritar ei-ei, aparecer e tomar conta de tudo. Quem sou eu afinal? O que devo pensar e fazer? E meus amores, como ficarão?
Amo todos eles e ela sobremaneira. Mas ela virá me ver tocar ao vivo dentro do espelho? Dentro de nosso cinema?
Espero e não sei a resposta. E é cada vez melhor não saber a resposta.
Hoje completei minhas duas derrotas seguidas no estádio. Pouco menos de 7 mil coitados foram ao Engenhão presenciar, testemunhar, acompanhar a queda de 4 do Botafogo frente ao Goiás. Devo dizer que é o segundo quatro a um na cabeça que vejo ao vivo este ano. O outro foi com o Vasco que pena na segunda divisão. Esquecendo o jogo e a falação da torcida (muito engraçado até, não fosse tão trágico), cheguei cedo pra ver a disputa da preliminar. Ia ser uma homenagem ao time de 89. O jogo do time campeão em 89 contra uns artistas da globo, mas cancelaram. E não me avisaram nada. Mas a taça estava lá, assim como alguns deles. E tiveram, óbvio, uma linda demonstração de carinho por parte da torcida. Foi bem legal. Foi por isso que fui até lá. Não para ver fahel, Leo silva e Cia. Foi para ovacionar Mauricio, Mazolinha, Luisinho, Gottardo, Ricardo Cruz e Carlos Alberto. Foram eles que me deram, naquela noite de junho de 89, a primeira alegria e a primeira lágrima derramada por este time de merda que eu amo tanto. Estávamos eu, meu irmão e meu pai, assistindo pela Manchete. Nessa época meu pai morava sozinho ainda, na Praia do Canto. Gostava de ir dormir na casa dele de vez em quando, comer pão frances esquentado no forno de manhã com leite e toddy. Mas engraçado é que o antigo AP tinha uma coisa meio desleixada. Não sei se pela falta de móveis, se pelo próprio prédio que era meio velhinho já, mas a casa dele tinha uma coisa engraçada. Até hoje me lembro do cheiro e da sensação de estar lá.
E da vitória de 89. Criança é boba, né. Fiquei segurando o choro com vergonha quando o Botafogo ganhou aquele jogo, todos se abraçando, felizes. Acho que naquela hora nem chorava mais pelo Botafogo, mas pela felicidade de estar ali, pela proximidade inesperada, pelo abraço, pelos sorrisos no rosto de todos. Foi o melhor campeonato para se ganhar, e foi a melhor noite que passei com pais, filhos e irmãos.
Semana pré-ferias na escola de cinema. Preciso assim, como quem não quer nada, fazer um documentário. Assim, como quem não quer nada, em um mês fazer um documentário. E descubro, antes mesmo de começar a fazer, que não levo o menor jeito para documentários.

Adoro vê-los, no entanto. Hoje assisti ao Loki. O doc do Arnaldo batista, mas não mentiria se disesse ser um doc dos mutantes. Mutantes, a banda. Não os personagens da novela da Record. Muito bom, pela amostra da importância da banda, de sua influencia e muito mais.
A Rita Lee realmente era bonita. Os mutantes realmente são/foram grandes. E a perspectiva história apresentada no documentário realmente me pegou. Como aconteceu aquela vez que assisti a um programa do clube da esquina e passei as duas semanas seguintes ouvindo apenas esse disco.

Bom, a lista de quase dez filmes para se ver no cinema tem um a menos. Dois se contar que consegui alugar o área 1 do Gran Torino, que me espera aqui ao lado, junto à xícara de chá preto. Ele e outra vez a cópia do Cidadão Kane. É bom rever Rosebud de vez em quando.

***

A cabeça anda a mil. De todas as formas possíveis. Aí vem as coisas boas e as coisas mais ou menos, não é mesmo.
As coisas boas, enfim, são saraivadas de toques na tela em branco do Word.
As coisas ruins, então, são os tremores internos, a ansiedade e todas as coisas que fazem você perder o toque com a realidade.

Música do dia: Engineers - International Dirge
É pedir pra morrer.
usando a internet free que a prefeitura colocou na praia. daqui da casa da minha avó dá pra fazer uso dela. nada mal. mesmo que lenta e tal.
de gratis, né...
agora vou poder parar de escrever e salvar as coisas no meu hd. vou poder escrever e colocar tudo aqui.
seguem escritos perdidos neste mes e pouco sem conexão.