domingo, julho 05, 2009

Entrei no ônibus e me sentei atrás de todo mundo. Fiquei olhando para o céu, escuro já, e para as pessoas que me acompanhavam em mais essa viagem, ruas adentro e bairros afora. Olhava para as costas delas, costas que me deram quando escolheram os assentos à minha frente. E me senti só. Pensei em como tinha passado o meu domingo.

Um dia comum, cansado e descrente. Fiquei em casa, esperando passar as diversas folhas do jornal, uma a uma. Esperando passar os minutos que me levariam ao jogo na TV, um a um. Esperando passar as horas, mais pesadas do que leves hoje em dia, uma a uma. Infelizmente, não pude me dedicar ao ócio nada criativo, apenas ócio mesmo. Precisava comer. A fome já se mostrava astuta, me lembrando um leão, de cujo rugido não conseguia mais me esconder. Me lembrei do leão daquele pequeno zoológico, daquela pequena capital, que estava em uma pequena jaula. Muito pequena, coitado. E ele lá, amuadinho. Quieto. Cara de bobo. De repente, uma mandíbula se abre e eis que surge um rugido de estremecer todo o zoológico, e todos os bichos que estavam por ali, dentro das jaulas e fora delas.

Em poucos segundos a fome me fez listar mentalmente uma série de opções de pratos principais. A cada um deles pesava os pros e os contras. Os sabores e a facilidade em cozinhar cada uma daquelas opções. A menos trabalhosa era a famosa galinha assada de padaria. Inclusive, fazia algum tempo que não comia galinha. Ou frango. Nunca sei realmente se como um exemplar galináceo do sexo masculino ou feminino. Sei que todos eles tem peito, asas, duas coxas e sobrecoxas. O resto, como tripas, cabeça, pescoço, pés, prefiro não saber.

Vesti uma roupa de domingo. Aqueles casacos com capuz de uns quinze anos atrás, da minha primeira e ultima viagem para a Disney, que você só pode vestir para sair aos domingos, necessariamente de inverno, e apenas até o meio-dia. Depois corremos o risco de ser preso por atentado violento ao pudor. Ou pior, entrarmos em um antiquário e sermos colocados na vitrine. De qualquer forma, foi com a roupa de domingo, casaco vermelho desbotado com capuz e calça de moletom, cinza e larga que fui comprar meu almoço. Nas ruas as pessoas pareciam não se importar. Afinal era um domingo. A caminhada pelos ventos nas esquinas não durou muito e já estava eu na fila do frango. Cupom fiscal pago, a comprovação de que uma daquelas pequenas aves a girar dentro da famosa televisão de cachorro era de minha propriedade. O cheiro era de deixar qualquer cachorro louco. Talvez por isso os domingueiros levassem seus cães de todas as raças e tamanhos para acompanhá-los no ritual dominical da compra do frango. Um ritual que se torna cada vez mais tradicional, passando em muito a homilia ou o show de calouros do Silvio Santos. Mas nada se compara ao que passei neste domingo, em particular. Ao lado da padoca, tem uma bela banca de jornais, vendendo desde refrigerantes e brinquedos eletrônicos até jornais mesmo. E em cima de seu toldo verde e branco, estava pousada uma pomba. Pombas dessas comuns, de cidade grande, sabe. A pomba pousada olhava cada um de nós, na fila do frango. E não se mexia. A pomba parada, condenando-nos em seus pensamentos de pomba, almoço achado em restos pelo chão, coco em carros e ombros, fila para comprar frango. Frango, quase um pombo, quase eu.

Encarei a pomba. Pombas, nem posso mais me alimentar direito. Pensei ainda em jogar em cima do toldo da banca um pedaço de frango, recém-tirado da televisão canina. Mas vai que o dono da banca encrenca comigo. Deixei de lado a idéia. E a pomba. Aos poucos, seus pensamentos, sua auto-consciência esvaneceu. Ela, ave vingadora, a nos culpar pela sorte das primas, se tornou mais uma vez um rato de asas e como tal, voou em direção a senhora que estava sentada em um banco, perto da padaria, distribuindo pedaços de pães que acabara de comprar na padaria. Só para terminar, o frango estava delicioso. Comi, com pele e tudo.

A última menina interessante se levantou e puxou a cordinha do ônibus. Antes, tentara falar com Amaro muitas vezes. Em nenhuma ele a atendeu. Como estava bem atrás dela, pude ver seu celular. E prestar atenção, sem ser notado, em seus olhos azuis, que pouco combinavam com o cabelo caramelo, preso em um rabo de cavalo primário, feito com aqueles elásticos de dinheiro. A surpresa ao vê-la de corpo inteiro. Em vez da menina pequena, frágil, como seu rosto de perfil sugeria, surge uma mulher alta, bota marrom, camisa verde, bunda grande, pisando firme e brilhando em sua força, colocando os poucos homens que ainda a acompanhavam no coletivo em seus devidos lugares. Meninos. Nesse momento dei graças por estar mais perto de casa. Não precisaria ficar muito mais tempo sozinho no ônibus, idealizando a mulher pequena que a grande não era, sofrendo por querer algo que nem existia. Além do mais, chegando em casa, pelo menos tinha certeza do que estaria a me esperar. O resto do frangopomba de domingo que ainda estava na geladeira. Sem surpresas.

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