terça-feira, maio 04, 2010

Pensamentos em dia

Estou evitando adentrar o ônibus conhecido como Metrô da Superície. Seu ar-condicionado consegue ser mais potente que o de alguns caminhões frigoríficos. E como minha garganta anda me deixando na mão, melhor seria dizer na cama, não é muito sapiente me jogar debaixo de lufadas de ar gelado e seco. Com isso, mudei meu itinerário, indo pegar o sol da manhã na cabeça e nas pernas cobertas com jeans, na beira da praia. Se por um lado é bom (claro, imagine ir pegar o ônibus no calçadão da praia, vendo as ondas quebrarem e sentindo o cheiro de maresia), por outro, é quente por demais da conta e praticamente impossível subir no ônibus sem deixar pingar umas quantas gotas de suor. E olhe que não estamos no verão.

De qualquer modo, depois de entrar no ônibus, geralmente na linha s-20 ou 382 (Recreio - Carioca), vou investigando as pessoas dentro do coletivo, com os olhos. Percebendo cabelos molhados, bolsas cheias, fones nos ouvidos, celulares usados como rádios (hoje tocava um funk irreconhecível saído das micro-caixas de som de um aparelho da Nokia), caras de sono, de enfado, gente já dormindo sentada, antes das 9 da manhã.

Costumo ir em pé, virado para o mar, vendo a paisagem. Corpos correndo pelo calçadão, gente que quer ver e ser vista. Afinal, se os olhos do mundo são voltados para o Rio, para sua realmente linda paisagem, porque não se esforçar um pouquinho e acrescentar um corpo bonito à paisagem? Na praia todos são sarados, bonitos, suados. No ônibus, todos têm uma cara de resignação: "Precisamos mover o Brasil". A Zona Sul parece não trabalhar, parece não conhecer inverno, parece ser a cigarra que canta e ganha a vida com isso, é feliz e boêmia.

Pronto, acabou a orla. Em uns 20 minutos, às vezes mais, às vezes menos, passo por Leblon, Ipanema e Copacabana. Entro em Botafogo e tudo muda. Procuro um lugar para sentar porque agora a baia é suja, as pessoas não são tão bonitas e as jovens dão lugar às senhoras na caminhada. Dentro do veículo, o chacoalhar e as freadas bruscas acordaram a mulher de cabelo preso que dormia de boca aberta. Uma senhora à minha frente mexia na mão. Cutucava com unha uma verruga. Ficou assim um tempo. Até começar a reclamar, em voz alta, que não aguentava mais aquilo. Estava há duas horas dentro do ônibus, desde o Recreio. Sua coluna doía, disse. Não dava para ser feliz daquele jeito, era professora e ainda iria encarar umas horinhas de alunos infernais. Sobrou para o prefeito "mauricinho", que só pensa nas elites e não nas massas. Para as fábricas de automóveis que só querem vender e para os governos que não pensam em transporte público de qualidade. Disse que o pessoal ainda sonha com um terremoto à la Haiti para "dar um jeito" aqui no Rio. Mas que isso nunca iria acontecer. Te juro, que se ela tivesse uma panela ali, naquela hora, eu iria achar que era argentina. Um panelaço cairia bem. Chega, pensei. Precisamos reclamar, nos mobilizar. Gritar a plenos pulmões.

Até que uma outra senhora, sentada do outro lado do ônibus disse, na calma que levam as boiadas ao matadouro: tem que ter paciência.


Todos se ajeitaram em seus lugares, se acomodando melhor, mais uma vez. Engoliram um pouco de saliva, afinal àquela hora já dava tempo de ter dado água na boca, e seguiram em seu silêncio. Eu, não.
Levantei-me. Inflei os pulmões. E desci do ônibus. Meu ponto tinha chegado.

***

Todo dia, pegando ônibus para ir ou para voltar, 172, 132, 128, 125H, S-20, 382, 387, encontro histórias, pessoas, momentos que parecem ter sido escritos por um gênio das letras. É só a vida. Uma história boa demais para se ouvir calado.

***

Linha: S-20
Itinerário: Leblon - Rua México
Tempo de viagem: 37 minutos
Curiosidades: Professora reclamando, celular tocando funk sem fone de ouvido, mulher dormindo na cadeira, turista fazendo pose para foto em um banco na praia de Copacabana, novas estações de ginástica na praia.

7 comentários:

Gil Pender - Livre como um táxi disse...

Bora pra Londres?

Gil Pender - Livre como um táxi disse...

Ah, permita-me dizer: belíssimo texto.

Taylor disse...

me inspiro (e piro) nos que os amigos escrevem.
;)

Taylor disse...

E, uma vez com minha dupla cidadania, sim, BORA PRA LONDRES!!!

Gil Pender - Livre como um táxi disse...

Dupla cidadania? Nem sabia desse processo...

Marcio M. disse...

Ótimo texto! Os seus textos, assim como os da maioria da galera (Caio, Paulinho, Tourco, Led, Kalunga e Marcio) são sempre muito bons quando tratam de assuntos banais e cotidianos de uma forma nem um pouco convencional.

E viagens de ônibus são realmente experiências fantásticas.

Anônimo disse...

poize, quanto mais corriqueiro e banal, mais legal. eu acho graca no seu jeito natural de fazer piada, "sem mudar de tom". ri muito.