quinta-feira, maio 20, 2010

Fui à padaria, comprar pão doce para o lanche da tarde.
Um pequeno vício que colore o fim do expediente, com cafés sem açúcar, e figos, pêssegos e cerejas em calda. Abre-se a porta e já estou no hall do elevador, ao lado de uma clínica de oftamologia. O corredor costuma estar vazio. Hoje, no entanto, cinco pessoas saíam da clínica. Dois casais, mais velhos e uma senhora sozinha.
Geralmente fico com um pouco de raiva por ter que esperar o elevador, graças às milhares de clínicas espalhadas pelos doze andares do edifício. É um tal de aperta aqui, desce ali, pegar elevador subindo para descer depois, chamá-lo e resolver descer pelas escadas, apertar os três botões dos elevadores para se aproveitar do que aparecer mais rápido e dane-se quem precisa deles.

Por esses motivos, tenho, se não raiva, uma leve impaciência com pacientes e advogados que circulam pelos andares.


Mas hoje, quando chegou o elevador, fiz questão de ser gentil, oferecer para os cinco entrarem primeiro e segurar a porta para que tivessem a estranha sensação de segurança. Curioso como a possibilidade do fechamento da porta do elevador, enquanto ainda estão entrando, assustam as pessoas, sejam elas idosas ou moleques. Em primeiro lugar, a porta não irá decepar nenhum membro, não irá esmagar ninguém contra a parede, não dividirá o corpo de ninguém. Mas ainda assim, ela é um terror. Vai entender...
Bom, segurança garantida, os casais começaram a entrar no elevador.
O primeiro casal, uns setenta e tantos anos, arrisco dizer, entra devagar. Ele segura seu braço por trás, lhe dando ainda mais segurança. Ela levanta devagar seu pé, depois o outro, e inicia um caminhar lento e difícil. O segundo casal, vai mais atrás, a senhora sozinha, gorda, mais atrás, mais lenta.
Me lembro que todos eles estão ali, aqui, para ir ao médico, para fazer algum exame na clínica. Não estão a passeio, aqui não é um lugar legal.
Pessoas morreram no prédio. Uma ambulância, estilo UTI móvel, é a dona da vaga à porta do prédio. Sempre uma diferente.

Pensei em cada um deles, chegando em suas casas, antigas, as fotos do casamento desbotadas, em algum porta-retratos empoleirado numa estante. Filhos? Talvez, mas não morando mais com eles. Fugi para anos antes, namoro, noivado, recém-casados. A vida pulsando e empurrando-os passo a frente, em uma velocidade assustadora, mas completamente normal quando se tem a vida inteira pela frente. Pensei na senhora gorda chegando em casa, tirando os sapatos e vestindo uma camisola para ver a novela. Lembrei deles no trem, no ônibus, passo após passo, na dificuldade da idade. Percebi a minha propria falibilidade. Encontrei a minha própria morte, o meu andar com certa dificuldade, a minha velhinha segurando meu braço, depois de uma consulta, ou exame, torcendo para não dê nada. Vi o fim da linha e voltei. Apertei o botão do térreo e meu coração foi junto. Não vieram as lágrimas, mas em pouco tempo, me senti tão pequeno, tão ridiculamente pequeno, que prometi a mim mesmo nunca mais perder a paciência com o elevador que não chega logo. Talvez ele seja só um pouco mais velho e leve algum tempo para dar seus passos, como aqueles velhinho.

***

Acabou meu dia. Casa. Quarto. Escuridão. Vazio.
Menos um dia e mais uma noite cheia do vazio.

4 comentários:

Gil Pender - Livre como um táxi disse...

Mais um belo e melancólico texto.

Vazio? Solidão? Escuro? Quarto?

Posso te visitar de ceroulas e uísque na mão um dia desses, mais um dvd do Pink Floyd ou da Elba Ramalho Forever.

Thalmo disse...

Bonito, Mr. T-taylor. Eu vou continuar a esperar os velhinhos, mas se é jovem eu entro no elevador e não espero não...kkk!

Este seu blog está nos meus favoritos até hoje. Entrei pra ver se você ainda postava. Continua afiado.

Abraço!

Kalunga disse...

Belo texto Taylor.

Mas não avance demais na idade, pois seu espírito parece ter já 80 anos.

Curta mais seus 34, meu amigo.

Taylor disse...

34?
por mim ainda estou nos 29. e olhe lá.
hahahahaha