terça-feira, maio 18, 2010

2 – a menina dos pés grandes

Do banco do ônibus pude ver pés grandes, apertados dentro de uma sapatilha branca. Eles não estavam exatamente longe. Na verdade estavam ao meu lado, há um corredor de distância. Deles, os pés grandes, saltavam veias, nada feias. Coisas de pé. Se é que você pode entender como é a vida de um pé.
Viver preso dentro de um sapato apertado, tocando não o chão que tanto o é caro, mas pedaços de borracha, meias, asfalto. Vida que deita quando andamos e que se levanta quando deitamos, como diz a piada. Contradição que não para de andar. Como o par grande, da menina.

Pobres pés. Pobre menina.

Comecei a desvendá-la, a partir dos pés dentro da sapatilha branca. Calça jeans, americana. Blusa verde, de linho ou lã. Mangas compridas, como as pernas e como os braços. Cabelo preso, não muito longo. A menina dos pés apertados, das pernas longas, dos braços jogados, prefere ter o cabelo curto.Talvez seja como quer ser. Nem grande, nem pequena, nem longa, nem curta. Apenas menina.

Chegamos ao ponto e os fones pulam das orelhas para a bolsa. A menina se levanta, alta, longa, grande e, mais uma contradição, anda como uma bailarina. Flutua, descendo as escadas que levam para mais escadas. E coloca o pé direito primeiro em contato com o chão. Na ponta dos pés grandes, apertados dentro da sapatilha branca, ela se vai.