sexta-feira, setembro 18, 2009

19/08 – Filadelfia, PY.

Anotações para futura entrevista.
O que es el chaco. Zona de transicion, com terreno muy arenoso, el Chaco Central. La situacion de la água, mucho polvo.

Anotações do portuñol –
Polvo = pó
Pollo = frango
Pueblo = cidadezinha, povoado.

Salimos de Filadelfia muy tremprano. Comemos o desayuno no hotel mesmo. A estrada é toda de terra, muito esburacada. Hablamos portunhol todo lo tiempo. Elles se gustan de musica brasilera. Colocamos gasolina em uma birosca no meio da estrada. Bebemos refrigerante, a nosso último luxo permitido. Seguimos viagem e começamos o trabalho de monitoreo, que consiste em manter contato com as pessoas das estâncias, monitorando seus desmatamentos (desmontes) e catalogando quem são as pessoas que la trabalham, quem são os proprietários (dueños) e explicarmos como fazer caso haja contato ou como identificar as señales de presencia de los aislados voluntários. Filmamos belas tomas. Mas o mais importante é documentar toda a conversa entre a equipe Amotocodie e as pessoas. Paramos para almoçar na sede do Parque Nacional Defensores Del Chaco, na entrada do Chaco Paraguayo. Árvores típicas como o Palo Santo e o Palo Borracho estavam identificadas lá. Me lembrei do Paulinho, o Paulo Borracho, famoso mindingo boca mole da jurubeba. Mais estrada, mais polvo/talco (poeira, pó), e chegamos a Água Dulce. Um posto militar. No início pediram informações, mas quando mostramos ser da IA, se mostraram bem hospitaleiros. Essa estação militar é no meio da estrada, e os militares que pra lá vão, ficam basicamente sem contato com o mundo por alguns meses. No começo são assim, durões. Mas com o tempo, vão percebendo que estão jogados ali, esquecidos quase, e começam a ficar mais desleixados. Esses tinham acabado de chegar, mas ofereceram a estação para nos quedarmos, caso quiséssemos.

Fomos adelante e despues volvemos, pois quando iríamos montar o acampamento, ameaçou chover. Antes porém, avistaram um venado (eamo, em ayoreo). Fomos hacer caceria. Pausa no relato para dizer que essa é uma das palavras mais legais de toda a viagem: caceria.
Na verdade, Carlos foi fazer caceria. Entrou um pouco no mato, mas não disparou a espingarda. Se abaixou e subiu com o que pensei ser dois cocos secos na mão. Nos aproximamos e vi que eram na verdade dois tatus. Quiriquinchos. Íamos come-los, mas como voltamos para o posto do exercito, fizemos uma sopa com cebola, molho de tomate, papas e carne. O que, descobri depois, não era uma sopa, mas a comida que nos acostumaríamos a ter em praticamente todas as refeições: guiso. No posto militar havia água encanada e foi possível tomar banho e dormirmos embaixo de um teto, ainda que dentro das barracas. Segundo todos os veteranos de viagens assim, esse seria uma noite em um hotel 5 estrelas.
A noite foi tranqüila nas barracas. Mas amanhã, devemos acampar mesmo no mato.

20/08 – Chaco – Posto Militar de Agua Dulce.
Neste exato momento em que escrevo, os militares estão conversando com os Ayoreo. Estamos explanando o que se trata a Iniciativa Amotocodie, os relatos e as características dos sinais e contando um pouco a história do grupo. Aqui ficamos sabendo que um casal estrangeiro avistou uma da gente del monte perto de cerro Leon. Ou seria Serro Leon?

Filmamos a entrevista toda. E um pouco depois, o ataque fulminante do gatinho do posto a um camundongo venenoso e traiçoeiro.

Saímos do acampamento e seguimos nosso caminho rumo ao Norte/Oeste do estado do Alto Paraguay. Agora começariam as visitas às estâncias, que a todo momento nos indica a proibição de caça e pesca. E também cartelles de No entre. Incrível como somos bem recebidos (modo ironia ON). Apesar dos cartazes de não entre, entramos mesmo assim. E encontramos seu Orlando, um Brasileiro de Sta. Catarina. Sua fazenda, Santa Paulina, tem esse nome em homenagem a primeira santa brasileira. Falamos com ele e obtivemos boas informações. A melhor? Ele acha que o botafogo não perdeu ontem para o Santo André. Informaçao essa que foi desmentida assim que voltamos ao Hotel, uns três dias depois. O botafogo, sim, tinha perdido por 2x1. Seguimos viagem e paramos para caçar e almoçar. Os ayoreo entraram na mata e ficaram lá por um tempo. Enquanto fazíamos o fogo e o guiso, eles voltaram com muitas, mas muitas tartarugas. Talvez umas 30. Tortugas, como dizem. Ainda bem que temos carne de vaca para comer. E lá se foi ela, com macarrão, batata, molho de tomate...
Continuamos o caminho e Carlos viu outro venado. Dessa vez não teve jeito do bicho (ou da bicha, já que era uma fêmea) escapar. Bam. Tiro e queda. Animal abatido. Ao ser carregado, assim como os tatus caçados, se cagou todo. Espero não me cagar todo quando for morrer. O incrível que para os indígenas, andar no mato é como fazer supermercado. Entram no monte (mata em spañol) e saem com mel, tortugas, carne, frutas, tatus, veados, tamaduás, palmito...
O que pode nos colocar a pensar, quanto tempo eu sobreviveria aqui sozinho? E eles vivem durante toda a sua vida neste mesmo lugar. Culturas diferentes, mas que não me deixam de sentir um pouco de tristeza por saber que essa cultura nos foi roubada por carros, sanduíches e programas de TV. A vida está aqui, no mato.

Entramos em outra estância, de um menonita e não fomos bem recebidos. Na volta, vimos um zorro (uma raposa). Depois do Guará em Goiás, só mesmo uma raposa cruzando o caminho no Chaco. Anoitecia rápido. Achamos o local onde iríamos acampar, baixamos as coisas, começamos o fogo, montamos as barracas. Em no maximo 15 minutos, tudo estava pronto. Jogamos os tatus no fogo. Eu comi o fígado de um deles, apesar do Elton se mostrar muito preocupado em adquirir uma leiximaniose, que disse ser coisa que se pega comendo carne de tatu. Ele fez questão de tentar comer uma perninha, cheia de cabelo, praticamente um torresmo de tatu. Ainda bem que o prato principal estava sendo preparado por Duidé. Enganchado em uma arbol, o veado era escalpelado. Carne fresca e saborosa para a ceia. Adoramos poder ter comido aquela veada de noite. E ter usado fio-dental em seguida. Com todos os trocadilhos que poderiam acontecer, descobrimos que só no Chaco poderíamos fazer isso e não ouvirmos nenhuma piada. Depois Duidé entoou canções dos Ayoreo à luz da fogueira. A noite parecia perfeita. Fomos dormir tranqüilos. Mas quem disse que a vida no Chaco é fácil? Nessa noite o frio quase não nos deixou quieto. As orelhas, o nariz, as mãos, as pernas... tudo doía de frio. De manhã, mais frio, mas o mate quente e a fogueira nos ajudariam a despertar.

21/08
Começamos mais um dia com muito frio e entrando ainda mais dentro do Alto Paraguay. Se ainda não sabia o que é perrengue, agora sei. E posso dizer que até gosto dele. Dormir em barraca, com frio, sem travesseiro, sem colchão (ô colchonete duro, sô), sem banheiro, sem banho, comendo pão duro (o pão fica duro, mas dura pelo menos uma semana).
Entramos em uma estância chamada AGT, de outro menonita. Os donos estavam chegando, ou saindo, de monomotor, ou seja, teríamos que volvermos no mais tardar. Uma coisa interessante do Chaco é que, aqui, para se iniciar uma estância, a primeira coisa que se faz é a pista de pouso. Impossível contar com estradas mesmo. A línea 1, a 14 e a 2, que me lembro de ter passado são de assustar qualquer Land Rover.
Bom, depois do almoço nos separamos. Metade da equipe voltaria para AGT e a outra seguiria adiante em direção à Canoa, outra estância mais ao norte. Fui para Canoa onde fomos recebidos pelo administrador do local, seu Adolfo, um mineiro daqueles bem mineiros mesmo. Ficou feliz em hablar em português comigo. E como falou. Contou histórias do arco da velha e até nos mostrou onde estava um tucanito que ele e os dois irmãos paraguayos que trabalham com ele pegaram para “domesticar”. Ofereceu- nos local para ficar e comida. Mas continuamos nossa andança pelo Chaco e pelas estâncias, divulgando o trabalho da I.A. e do povo Ayoreo. Chegamos ao ponto mais ao norte de nossa viagem, uma pequena picada de onde é difícil seguir adiante. Estamos a 40 km da Bolívia, de acordo com o GPS. Daqui voltamos e encontramos um acampamento grande de trabalhadores. É uma sexta-feira e todos parecem estar desesperados por sair daqui e chegar a alguma cidade. Disseram que ficam na beira da estrada com as bolsas esperando que passem carros ou caminhões para dar carona a eles. Muitos deles terminaram seus serviços e simplesmente não tem como voltar para a cidade, ficam às vezes dias esperando uma carona. Tomamos terere, o difusor da gripe suína daqui, e seguimos em busca do local para nosso próximo acampamento. O acampamento era ao lado da Linea 14, um matagal próximo de uma casa abandonada. Limpamos o terreno e fizemos nosso acampamento. Dessa vez precisamos correr para montar tudo porque a luz estava caindo muito rapidamente. Carlos e Aquino foram ver a casa e voltaram de lá com 3 aboboras das grandes. Na casa não havia ninguém, nem sinal de que seu dono pudesse ter só dado uma volta. O abandono era real. Cozinhamos um guiso com arroz em vez de macarrão. Uma boa mudança de cardápio. Mas o restante era o mesmo: batatas, molho de tomate, carne. Despues, Carlitos fué dormir. E levou a espingarda consigo. Disse que poderia haver tigre (onça) e que esse poderia ser o motivo do abandono da casa pelo antigo dono. Porra, onça?! Agora, aqui?
Pensei que não passaria dessa noite, que não conseguiria dormir, paralisado pelo medo de virar o jantar de alguma onça safada. Ficamos todos tensos. Mais tarde uma camioneta apareceu. Trazia na caçamba um gato, como chamam uma oncita do tamanho de um gato grande caçado por eles. Acho que relaxamos um pouco mais depois disso e nos recolhemos as nossas barracas. Mais uma vez dividia espaço com mais três caras. Ainda bem que até esse dia as coisas pareciam sobre controle. As coisas seriam o cheiro de cada um já indo para o terceiro dia sem banho...

22/08

Vocabulário spañol-português (já diferente das Anotações do portuñol )
Jerga – gíria
Testigos – testemunhas
Testimonios - depoimentos
Yerba-erva
Galletas –biscoito, mas também uns pãezinhos llamados galletitas.

Levantamos inteiros, graças a Deus. Tomamos nossa yerba (mate), nosso café com leite e nosso pão cada vez mais parecido com uma pedra. Ou a pedra que ainda continuam a chamar de pão. Fui obrigado a joga-lo na caneca de café com leite, esperando que amolecesse para que a mordida não quebrasse algum dente. Afinal estava no meio do mato!
Voltamos ao local onde estava o acampamento ontem. Os caras que estavam no meio da estrada ainda estavam lá à espera de uma carona. Pobres coitados. Ali conversamos mais um pouco com um dos chefes do acampamento. Quer dizer, conversamos nada, porque o cara falava em guarani e só o Junior entendia e falava também. A intenção era chegarmos a uma laguna que tínhamos descoberto no GoOgle Earth. O local era ali perto e eles sabiam como chegar. Foram em um trator na frente para nos mostrar onde era a laguna. Lá, encontramos sinais dos ancestrais Ayoreo que habitavam essa área. Era importante filmarmos bem esse local, pois depois ele será mostrado para anciões nas aldeias e eles poderão reconhecer ou não esse lugar. O local é belíssimo realmente com muita grama e arvores frondosas, diferentes das arvores das áreas mais secas do Chaco. A sensação de Paz é incrível. Avistamos uma árvore com um corte feito por algum ayoreo carpinteiro. Provavelmente para fazer os sapatos que usavam. Marca indiscutível que antepassados habitaram essa área.

***

Pausa para recordar dados do pueblo ayoreo. Os Ayoreo tiveram seu primeiro contato com o homem branco no final dos anos 50. Ou seja, ha 50 anos mais ou menos. Entao, para Carlitos, Duidé, Aquino e Mateo, essa área é a área onde moravam seus pais e avós, e onde eles mesmos viveram até os sete, nove, doze anos de idade. E para comprovar como esse contato é recente e como é possível que existam alguns grupos sem contato algum ainda, segue um pequeno histórico dos últimos encontros/contatos:
1986/1987 – 1 grupo faz contato com jesuítas.
1997 – 2 grupos fazem contato
2004 – outro grupo faz contato e diz que saíram fugidos do grupo porque foram ameaçados, já que quebraram uma regra de convivência e a única forma de sobreviverem que encontraram foi sair do monte e fazer contato.
Ou seja, se a partir dessa época não houve outro contato, há PELO MENOS, um grupo isolado ainda. Mas sabe-se pela presença e pelo encontro de sinais que pode haver mais 4 ou 5 grupos, o que totalizaria 5 ou 6 grupos diferentes de indígenas ayoreo em isolamento voluntário. O problema, o grande problema, é a velocidade com que acontece o desmatamento da área para a plantação de pasto e para a criação de gado. Com a movimentação intensa em uma área normalmente calma, os ayoreo isolados estão sendo expulsos de suas terras, sendo empurrados para as poucas áreas em que encontram paz. Infelizmente o desmatamento causa também um impacto muito grande na vida selvagem do Chaco, o que dificulta a obtenção de comida, antes farta, de água, encontrada em pouquissimos locais no Chaco, e por isso tão importante para eles, e de local para o cultivo, possível apenas durante a época de chuva. Encurralados, os grupos correm um risco cada vez maior de ser encontrado, o que pode ser mortal para eles, por causa de nossas doenças. Uma bactéria mortal ou um germe pode estar presente até em uma inofensiva camisa. Ou mesmo mortal para quem os encontrar, pois podem se mostrar muito agressivos algumas vezes.

Dicionario ayoreo –
Coñones - homem branco
Eamo – veado
Eami – o mundo, o universo. Para eles, o Chaco, que é todo o universo que conhecem e o único que realmente importa.
Ñacanipis – obrigado
Voaia – oi, olá

***

Voltando ao local da laguna, nos afastamos um pouco dela e entramos fundo no Chaco acompanhando Carlos, Duidé e Mateo na busca por mais sinais que seus pais e avós poderiam ter deixado. É incrível se meter em el monte adentro e se sentir um ser tão estranho a ele. Nos mostraram alguns outros sinais e filmamos uns depoimentos. É muito, muito fácil se perder dentro da mata. O chão tem cipós que parecem cordas que prendem seus pés e pernas. Culpa dos espinhos tão presentes na flora daqui. Apesar das arvores serem espaçadas, delas caem mais cipós com espinhos, o que torna bem difícil a caminhada no monte. E apenas alguns passos monte adentro você perde a noção de onde estava e para onde vai. Ainda bem que com eles não há esse problema. Voltamos para os carros e para nossa pequena expedição. Terceiro dia sem banho. No máximo lavamos as mãos, que se sujam rapidamente. Como no Chaco é muito difícil encontrar um rio, uma lago, uma fonte natural de água, se coleta água da chuva que cai durante o ano. E é dessa água que bebemos. Quando possível, faz-se um poço artesiano. Quando possível, pois já furaram 300 metros e não acharam água alguma. Já furaram 60 metros e só acharam água salobra...
Já não nos preocupamos em lavar tão bem nossa louça, e comemos com a mão suja do pó que levanta das carreteras paraguayas, as lineas.
Não há como negar que viver assim, sem contato com o “mundo real” é animador. Sem informações, criamos a nossa própria realidade. Hoje sonhei que o Sarney havia renunciado. Ontem sonhei que era o namorado de uma amiga. A vida nesse lugar que parece afastado de tudo não é melhor nem pior, só diferente. Diferente do que nos acostumamos a chamar de normal.

Hoje antes do almoço, aquele guiso de sempre, coletamos dois palmitos. Foi a entrada. Só faltou o gosto do conservante que vem naquela água do palmito que como normalmente. Depois do almoço, outra estância. Dessa vez tivemos a infeliz idéia de entrarmos em uma fazendo que estava desmatando fervorosamente o Chaco. Topadoras trabalhavam trazendo o som da morte em suas engrenagens que pareciam gritar. Filmamos o acontecimento e conversamos com alguns trabalhadores, já a muito despidos de qualquer forma de auto-estima. Todos cobertos de poeira, e bebendo uma água assustadoramente ruim.
Sim, tomamos terere com eles também. E tínhamos um problema importantíssimo para sanar: nossa água tinha acabado. Lá nessa estância conseguimos encher um galão de água, mesmo que fosse dessa água salobra e com um gosto grosso, quase como um leite. No Chaco dizem ser necessário tomar, não dois, mas quatro litros de água por dia.
Seguimos viagem e saímos da línea 14 para línea 1. Há poeira por todo lado. Tenemos todos uma camada de pó sobre todo o corpo. Caminhões carregados de gado passam a todo o tempo, carregando 80 cabeças cada. Esses monstros quase não cabem na estrada, de terra, pequena e esburacada. Temos que praticamente nos jogarmos para fora da estrada para dar passagem para eles. E tome mais polvo levantado em cima de nosotros. LLegamos a uma estância, KARA KARA. Seu dono, muito furtivo, não nos disse seu nome. Primeiro se identificou como brasileiro. Depois como português e só então como moçambicano. Sua estância é belíssima, sem nem uma arvore a vista. Apenas grama. Havia um trator, três caminhões, um barco, um avião particular e pela primeira vez, todos os empregados andavam com armas na cintura. Todos da equipe o acharam muito suspeito. Seu envolvimento com Ponta Porã nos deixou ainda mais inquietos. Seria ele um Narco? Pelo menos nos ofereceu uma cervejinha gelada (e nos deu exatas 12 latinhas geladas da cerveza Ouro Fino e mais 6 garrafas de 500 ml de coca para os ayoreo que não bebem álcool). Segundo Elton, ele nos embebeda e depois nos mata. Assim fica mais fácil. Enchemos mais dois galões de água, essas sim beeeeem bebíveis e milhões de vezes melhor do que a dos trabalhadores da estância Chovoreca. Nos ofereceu sua propriedade para nos quedarmos, mas os ayoreo não se sentem a vontade perto dos estanceiros. É como se você fosse convidado para ficar na casa dos assassinos de alguém da sua família. Eu acho. Acampamos assim que saímos de Kara Kara. Fizemos nosso foguinho, e dessa vez eu fui o encarregado pelo jantar. Deixei o guiso quase sem água, com arroz em vez de macarrão. Um quase risoto. Não fez muito sucesso pelo jeito, mas também não houve reclamação. Os pães, de tão duros, já estão servindo apenas para serem triturados e transformados em uma espécie de farinha muito primitiva. Aqui tenho que lembrar também do picante de Bolívia que os Ayoreo trouxeram para a expedição. Picante=pimenta. Em pó. Delicia, forte e saborosa. Olha ali, um zorro. No meio do mato, nos olhando. Tentamos filmar, mas ele se foi. Apareceu somente de madrugada para pegar os restos da cebola q descascamos para fazermos o jantar. No meio da noite, éramos acordados com caminhões de gado que passavam pela línea, a não mais que alguns metros de nosso acampamento. Todos dormiram meio mal e se mexeram bastante durante a noite. As duas e meia da matina, os ayoreo acordaram e não dormiram mais. Nosotros acordamos as cinco da manha. Era dia 23/08. Domingo.

23/08 – Domingo
Enquanto haciamos o desayuno, os ayoreo olharam para o céu e disseram, vem chuva. Ok, pensamos. Daqui uma meia hora, disseram. 29 minutos depois, eles se levantaram, pegaram suas mochilas na barraca e entraram nos carros. Quando entendemos o porquê daquela debandada em massa dos indígenas, era tarde demais. A água começou a cair do céu. Corremos para desarmarmos as barracas, debaixo de chuva. O pó que cobria o chão se tornava em um barro fino que grudava na sola do sapato, fazendo com q a gente ganhasse centímetros e quilos a mais em questão de segundos. Depois de uns 10 minutos a chuva se foi. Segundo eles isso era um sinal. Se depois da chuva, viesse um sol forte e perene era sinal de perigo, talvez de morte. Se o céu continuasse fechado, poderíamos seguir com nossa viagem, por mais uns 100 kilometros ate quase a fronteira com o Brasil.
O céu continuou fechado. Mas agora o problema era outro. A possibilidade real de muita chuva, o que faria com que a estrada enchesse de água e nos obrigasse a ter que esperar a água baixar. Uma conferencia foi feita e depois de mais ou menos 1 hora de conversa foi resolvidos, voltaríamos. Arrumamos as nossas coisas (as barracas encharcadas) e começamos nossa volta. A estrada, se já não era das melhores, com a chuva ficou cheia de lama. Pulavamos mais do que feijones saltitantes. E as rodas da camioneta da frente jogava verdadeiras pedras de lama de seus pneus para o alto.

Vocabulário spañol-português (já diferente das Anotações do portuñol )
Poroto = feijão
Feijones = ...
Não existe tal palabra.
Arreglar – consertar
Estrañar – sentir saudade
Manejar – dirigir
Anojar-se – se irritar
Aborrido – aborrecido
Lechugas - alfaces


***
continua...

Nenhum comentário: