sábado, setembro 03, 2011

Como fazer quando a cabeça transborda de ideias mas não há a força necessária para colocá-las no papel?

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A vida nos prega peças interessantes. Muito interessantes. Bom, andei sem trabalho, estudando cinema, filmando curtas (eram as únicas atividades/oportunidades profissionais que apareciam), sem grana, viajando, assumindo quaisquer riscos e desmandos e até, quem diria, às vezes sorrindo.

Agora, trabalho, montei um ap legal, tenho uma tv grande e um video-game. No entanto, às vezes sinto falta de pegar um avião quarta-feira pela manhã e ir passar um mês no meio do nada paraguaio, cercado de cobras, menonitas e indígenas.

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Voltei a gostar de comer bananas. Nunca deixei de gostar, mas agora sinto falta.

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Mais uma peça da vida.
Estava a meu caminho, o caminho metrô-trabalho/casa. No entanto, resolvi mudar o trajeto quer faço quase sem pensar. Passei por outras ruas e em frente de lojas de eletrodomésticos/eletrônicos. Casas Bahia, Casa e Vídeo, Ponto Frio...
E em uma dessas, de frente para a rua, onde a vida não para para respirar (grande erro tirarem o acento de pára), um sem-teto estava parado. Sem-teto, sem-trampo,sem-trato, com seu saco de estopa pendurado a tiracolo, encostado na coluna que separa a rua, da qual também é dono, da loja, onde nunca poderá estar. E lá, parado, olhava para as muitas telas de led, lcd, plasma brilhando. Nelas, vejam só que coisa, acontecia uma festa. Dessas com DJ, moças bonitas, luzes nervosas e muito confete, caindo a todo tempo. Não se ouvia a música, mas as imagens não deixavam enganar.

O que ele devia estar pensando naquela hora, naquele exato instante? Como seria ter uma vida de festas, mulheres, drogas e diversão? Ou será que, perdido, não conseguia distinguir aquelas formas e imagens, tão longe de sua realidade? Seria saudade, esperança ou uma força que o mantinha parado ali, a mesma que o derrubara na vida, o mantendo pobre, coitado, nas ruas que domina agora tão bem?

Uma câmera seria a perfeita forma de captar aquela imagem, mas nunca conseguiremos captar a vida que passou diante dele e de tantas pessoas, para as quais, festa e felicidade são mesmo só uma imagem em uma TV na porta de uma loja onde há um cartaz proibindo sua entrada.

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Corre pela internet, na mesma velocidade que as amizades midiáticas, um filme antigo, de 1936, com imagens do Rio. O Rio antigo, como gostam de chamar. Infelizmente, o Rio antigo.
O Rio atual é muito, mas muito pior. Se mudaremos de referencial, podemos chamar este de Rio antigo e aquele de Rio novo, novíssimo. Limpo, lindo, monumental. Aquele sim, uma cidade maravilhosa. Essa, em que vivemos, é um arremedo sem humor daquela cidade que vemos ali. A verdade é uma só: estragamos a cidade mais linda do mundo. Se é possível comparar aquela cidade de 36 com Paris, a de hoje não encontra tão facilmente uma outra que a acompanhe. Vemos os sinais da degradação, não em concreto/ferro/aço, mas nas pessoas. Somos piores, somos sujos, somos incultos e pernósticos. Somos essa cidade manchada, acanhada e tentando sobreviver.

Creio que a imagem que mais me marcou foi a Cinelândia.
Uma praça com áreas verdes, desenho em pedras portuguesas, pessoas de bem passeando´.
Hoje o mesmo lugar é ponto de encontro de pedestres que a atravessam com pressa, saída do metrô, mendigos, trombadinhas, barracas cheias de cartazes de protesto, protestos, pombos fétidos e mancos, misto quente de um real com refresco de água açucarada...
ou seja, uma negação da ingenuidade existente há 75 anos atrás. Este fim de semana mostrarei o filme para meu avô de 92. Ele tinha 17 anos em 1936.
Talvez seja por isso que ele sai tão pouco de casa agora. Medo da realidade.

3 comentários:

Gil Pender - Livre como um táxi disse...

Eu tenho muito, muito, muito, muito a dizer sobre isso. Sobre o passado, as pessoas nervosas de hoje, as saudades, o que ficou e o que deixamos que ficasse pra trás.

Hoje mesmo, agora mesmo, faz nem uma hora a partir destas que digito, fiz um discurso inflamado, alto e sem propagação na Lama, tendo apenas Barata, Carol e alguns pedestres por ouvintes. Disse isso tudo que você disse, e nada disse.

Mas vou dizer isso tudo de novo, te olhando nos olhos, e com a mesma intensidade, se for mesmo ao Rio agora em outubro.

Teu avô tem toda a minha solidariedade, e eu já o amo profundamente só pelo que li aqui.

Aos 92 chego morto, cansado e derrotado. Mas ainda gritando alto.

E dentro de casa, morto de medo da realidade.

Minha realidade são só as pessoas que amo.

Você entre elas.

Taylor disse...

quero ouvir, sim!!!
Mas tem que ser em cima de um caixote de madeira, gritando, lá na Saenz Pena.

Gil Pender - Livre como um táxi disse...

Um caixote do Madeira?

Vou pedir pro meu pai fazer um e levo pro Rio!

"Povo tijucano..."...