Como fazer quando a cabeça transborda de ideias mas não há a força necessária para colocá-las no papel?
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A vida nos prega peças interessantes. Muito interessantes. Bom, andei sem trabalho, estudando cinema, filmando curtas (eram as únicas atividades/oportunidades profissionais que apareciam), sem grana, viajando, assumindo quaisquer riscos e desmandos e até, quem diria, às vezes sorrindo.
Agora, trabalho, montei um ap legal, tenho uma tv grande e um video-game. No entanto, às vezes sinto falta de pegar um avião quarta-feira pela manhã e ir passar um mês no meio do nada paraguaio, cercado de cobras, menonitas e indígenas.
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Voltei a gostar de comer bananas. Nunca deixei de gostar, mas agora sinto falta.
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Mais uma peça da vida.
Estava a meu caminho, o caminho metrô-trabalho/casa. No entanto, resolvi mudar o trajeto quer faço quase sem pensar. Passei por outras ruas e em frente de lojas de eletrodomésticos/eletrônicos. Casas Bahia, Casa e Vídeo, Ponto Frio...
E em uma dessas, de frente para a rua, onde a vida não para para respirar (grande erro tirarem o acento de pára), um sem-teto estava parado. Sem-teto, sem-trampo,sem-trato, com seu saco de estopa pendurado a tiracolo, encostado na coluna que separa a rua, da qual também é dono, da loja, onde nunca poderá estar. E lá, parado, olhava para as muitas telas de led, lcd, plasma brilhando. Nelas, vejam só que coisa, acontecia uma festa. Dessas com DJ, moças bonitas, luzes nervosas e muito confete, caindo a todo tempo. Não se ouvia a música, mas as imagens não deixavam enganar.
O que ele devia estar pensando naquela hora, naquele exato instante? Como seria ter uma vida de festas, mulheres, drogas e diversão? Ou será que, perdido, não conseguia distinguir aquelas formas e imagens, tão longe de sua realidade? Seria saudade, esperança ou uma força que o mantinha parado ali, a mesma que o derrubara na vida, o mantendo pobre, coitado, nas ruas que domina agora tão bem?
Uma câmera seria a perfeita forma de captar aquela imagem, mas nunca conseguiremos captar a vida que passou diante dele e de tantas pessoas, para as quais, festa e felicidade são mesmo só uma imagem em uma TV na porta de uma loja onde há um cartaz proibindo sua entrada.
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Corre pela internet, na mesma velocidade que as amizades midiáticas, um filme antigo, de 1936, com imagens do Rio. O Rio antigo, como gostam de chamar. Infelizmente, o Rio antigo.
O Rio atual é muito, mas muito pior. Se mudaremos de referencial, podemos chamar este de Rio antigo e aquele de Rio novo, novíssimo. Limpo, lindo, monumental. Aquele sim, uma cidade maravilhosa. Essa, em que vivemos, é um arremedo sem humor daquela cidade que vemos ali. A verdade é uma só: estragamos a cidade mais linda do mundo. Se é possível comparar aquela cidade de 36 com Paris, a de hoje não encontra tão facilmente uma outra que a acompanhe. Vemos os sinais da degradação, não em concreto/ferro/aço, mas nas pessoas. Somos piores, somos sujos, somos incultos e pernósticos. Somos essa cidade manchada, acanhada e tentando sobreviver.
Creio que a imagem que mais me marcou foi a Cinelândia.
Uma praça com áreas verdes, desenho em pedras portuguesas, pessoas de bem passeando´.
Hoje o mesmo lugar é ponto de encontro de pedestres que a atravessam com pressa, saída do metrô, mendigos, trombadinhas, barracas cheias de cartazes de protesto, protestos, pombos fétidos e mancos, misto quente de um real com refresco de água açucarada...
ou seja, uma negação da ingenuidade existente há 75 anos atrás. Este fim de semana mostrarei o filme para meu avô de 92. Ele tinha 17 anos em 1936.
Talvez seja por isso que ele sai tão pouco de casa agora. Medo da realidade.