terça-feira, outubro 26, 2004

Era uma noite próxima de mais um Natal. Dezembro, quente como só ele sabe ser, passava da metade. A vida caminhava. A manhã era sempre recheada de palavrões direcionados ao despertador, de viradas na cama, de mais dez minutos de sono (que normalmente viravam quinze ou trinta), de cafés com leite amargos ou doces demais.
O resto do dia era perdido dentro do trabalho, uma redação antiga de jornal com um pouco de cheiro de mofo. Os computadores não eram lá tão modernos, mas faziam às vezes de máquinas de escrever com perfeição. Salvo uma ida ocasional à cantina ou a hora do almoço, tudo se parecia como uma rotina nauseante. As duas horas, quando tanto, que dividiam a carga horária entregue a patrões idiotas - muito melhores empresários do que seres humanos e que sempre tinham a palavra final na construção das matérias e viviam apenas atrás dos lucros - abria-lhe a mente. E ele voava em sonhos de praias ou nevascas. Os lugares não importavam muito, contanto que o levassem para bem longe dali. No crachá se lia Kleber. Kleber Diogo Fernandes. Fernandes por parte de pai, um filho de espanhóis que vieram para o Brasil ainda jovens demais, com sonhos demais, idealistas demais. Ele nunca soube porque o nome da mãe não entrou na formação do seu próprio nome, mas essas histórias de cartório e escrivões malucos que sempre datilografam alguma letra errada poderiam entrar em um livro.
O nome da mãe, no entanto, estava fora de seu nome e não com uma letra a mais ou a menos. Fratelli. Esse era o nome da mãe. Não o primeiro, o último. O nome todo estava lá, nas identidades estudantis, no RG, nas certidões de nascimento e de casamento.

Maria do Rosário Fratelli. Nada de mais. Um nome.
Kleber sabia o nome de sua mãe com perfeição. Morou com ela até a mais tenra idade. Ou um pouco mais. Um tanto mais para dizer a verdade. Aos 33 tinha saído de casa para se casar com a namorada que tinha conhecido na redação de seu primeiro emprego. Primeiro e único. O jornal velho, com um pouco de cheiro de mofo.

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