terça-feira, agosto 11, 2009

Era tarde. Madrugada de domingo, por volta das duas e vinte da manhã. Eu, sem sono, andava pelo apartamento. Se normalmente já tenho dificuldade em dormir, quando viajo a dificuldade de pregar o olho é ainda maior. Por mais que o Oscar tivesse sido um ótimo anfitrião, me cedendo sua casa, sua cama, sua cobertura no décimo sétimo andar, ainda assim sabia que não estava em casa. E tudo se torna mais difícil quando se está longe de todos os seus referenciais. Segunda é dia de reunião cedo, depois almoço com a perna desgarrada da família que mora aqui em Porto Alegre e de tardinha, graças a Deus, aeroporto e minha cidade, minha casa, minha TV e minha cama.

Parei em frente à janela. Dava pra ver, de cima, bem de cima, a cidade calma, tranquila. Em paz. Paz que buscava em reproduções de mantra de livros, dentro da minha cabeça, impondo uma sensação de alívio comprada e falsa para meus pensamentos. Acho que só queria mesmo dormir. E ali fiquei, minutos a fio, olhando para o nada, para o horizonte recortado por prédios altos e luzinhas vermelhas defendendo as construções dos aviões que passam, cada vez mais vezes por dia, arranhando a barriga nas cabeças que preferem morar nas alturas dos últimos andares e coberturas. Os olhos descansam nestes mesmos prédios, nas janelas escuras, nos espaços vazios das salas e das cozinhas. Aos poucos vou descobrindo pedaços de cortinas entreabertas que deixam fugir um pequeno facho de luz, abajures e ventiladores de teto ligados, pequenas vidas perdidas nessa mesma madrugada. Começo um de meus esportes preferidos, o voyerismo noturno. A imaginação voa por prédios, pessoas, casas, salas, camas, luzes acessas e geladeiras sendo assaltadas. Cada pequena luz perdida entre tantas janelas apagadas me traz a dúvida e a certeza de que mais alguém está ali. Um rapaz de férias termina de ver o filme alugado que precisa devolver no dia seguinte. A senhora de branco está com insônia e o leite a aquece, enquanto escuta algum de seus discos de sucessos de duas ou três décadas atrás. A menina está, escondida dos pais, conversando com a amiguinha na internet. Outro rapaz está vendo a última propaganda da programação da TV, esperando o telefonema de sua namorada. Telefonema que não vem e que, quem sabe, nunca virá.

As luzes apagadas também começam a ganhar vida. O casal se beija, se abraça, esfrega o corpo de um contra o do outro. Diferente dos anos de namoro, onde tudo era lindo e poético, hoje ela pede para apagar a luz. No escuro a vergonha da barriga já meio flácida também não pode ser vista. A criança está abaixo da janela do casal. Ela não consegue dormir. Acabo me lembrando de minha própria infância, do terror que a música do final do Fantástico produzia nas minhas entranhas, quando finalmente percebia que não iria dormir, que não conseguiria nunca mais descansar, que não teria a paz da noite ao meu lado. Nessas horas prestava atenção ao meu irmão mais velho que dividia o quarto comigo, já deitado, respirando profundamente. Uma respiração forte que de certa forma me confortava. E como todo irmão mais novo, tentava copiá-lo. A cada inspiração dele, uma minha. Cada expiração dele, uma minha. E nesse jogo, aos poucos ia me esquecendo dos problemas, da música do Fantástico, do silêncio da rua quebrado por algum grilo, da minha incapacidade de dormir. O menino já dorme, presenti. Acendi a luz do corredor e caminhei até o quarto. A pequena penumbra parecia convidativa. Deitei, e com a lembrança da respiração do meu irmão, dormi.

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