sábado, dezembro 26, 2009

sobre o prazer de não fotografar bem.

Com o advento da tecnologia, da máquina digital e do zoom e foco automáticos,
todos se tornaram fotógrafos em potencial. Eu disse, TODOS.
Não é mais como antes que a máquina ficava na mão de quem soubesse fotografar. Ou ainda, quando só quem tinha máquina realmente gostava de fotografia e fotografava alguma coisa que prestasse.
Bom, nesses tempos modernos de consumo luxo, não ter uma máquina de fotografia digital é como não ter roupa. Seja ela uma pro, uma cybershot de bolso ou um celular.
E tome de sacar fotos (xi, já to trocando as palavras em português para espanhol).
aí somos presenteados com frames e mais frames da realidade, sob a visão de cada um dos queridos espectadores. viver e ver através de retinas celulares, de nervos ópticos é coisa do passado, mermão.
tenho que guardar tudo no meu memory stick, na minha memória virtual.
"E como foi o show?" pergunta um.
Não lembro, diz o outro, mas está tudo no youtube. e no flickr. e no picasa. e no diabo que te carregue.

Eu, modéstia a parte, desaprendi a bater fotos. Ou nunca aprendi a bate-las. Tenho um olho torto. Acho um saco ficar pensando no enquadramento, na luz, nos sorrisos falsos. Porque mesmo quando vejo a poesia escrita com luz, eu aperto um botão, registro o momento e tenho um borrão como resultado final. Vai ver minha memória regida a álcool acostumou meus olhos a verem só o borrão da realidade.

O pior é que o borrão-resultado-final só será visto por este que vos escreve, se a camera deste que vos escreve. Se for tirada por outros, nem pensar. As fotos digitais somem tão facilmente quanto são tiradas. Aos milhares. O que deve ter de servidor cheio de megapixels-lixo por aí...

Agora então, época de natal, ano novo, carnaval... Vou ser alvo de flash espocando aos montes. Sairei de olhos fechados, sorrindo, bêbado, fantasiado, feliz, triste, comendo, espirrando, pedirei para apagar os registros, bater de novo, irei sorrir novamente, beber novamente, ser feliz novamente. E por aí vai. Numa repetição infinita de instantes que só acontecem uma vez. E que não dá pra serem registrados por uma câmera.

***

Como diz meu sábio amigo Caio:
"Eu não saio mais em foto de ninguém, porque nunca chego a ver essas fotos mesmo..."

Um comentário:

Gil Pender - Livre como um táxi disse...

Eu nunca tive e não tenho máquina...

A falta que ela me faz?

ZERO.

Mesmo antes da banalização eu era um estranho no mundo da fotografia.

E é um barato registrar um acontecimento em apenas duas fotos e deixar o resto pra tua lembrança/imaginação...