segunda-feira, junho 19, 2017

Cheiro de velho

Hoje senti um cheiro forte no trabalho. Um cheiro de… velho.

É triste falar isso, mas já perceberam como gente mais velha cheira? Não é fedor, mas é um cheiro forte, pesado, de vida carregada nos ombros. Sinto este cheiro no que a memória me deixa lembrar do meu bisavo. Ele não enxergava bem, tampouco ouvia muito. Vivia em sua poltrona, batendo palmas, como que para sentir-se vivo, ouvir algo reverberando por seus ossos, até seu ouvido interno. Um som que vinha de dentro. Lembro de ter lido em algum lugar que no vácuo o som não se propaga, mas que mesmo assim ouviríamos dois tipos de som. Um grave, o bater do coração, e um agudo, das suas sinapses nervosas. Se é verdade, não tenho como comprovar. Pelo menos até ficar surdo e ouvir somente os sons internos. Meus sons, puros e simples.

Voltemos ao cheiro. Meu avo agora já tem o cheiro em volta dele. Forte, ferruginoso, ocre. Seriam as roupas? A pele envelhecendo? Não há resposta, assim como não há exclusividade. Alguns idosos cheiram da mesma forma, como se nosso cheiro único, envelhecesse também e tirasse férias eternas, deixando-nos com a falta de cheiro que cheira como os velhos.


Justiça seja feita, eles se banham. Passam água de colonia depois de fazer a barba. Escovam o dente ou limpam bem a dentadura. Eles se cuidam, claro. Mas se, com a idade, perdemos tudo, o cheiro vem para ficar. Para sempre. É lembrança para os netos e até vira ideia para um texto. 

E o cheiro viaja, vem parar aqui do meu lado, com todas suas lembranças, muitas delas revestidas de saudades e arrependimentos. Será que… (me cheiro, para ter certeza de que não é meu). Ainda não. Mas logo será, tenho certeza. E serei eu o velho com o cheiro forte, de velho. Como todos da minha família que vieram antes de mim e em mais ninguém, depois que me for. 

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