segunda-feira, janeiro 09, 2012

O Proustituto

O apartamento era simples, dois cômodos. Quarto, sala, outro quarto. Ele nunca descobriu qual o propósito do segundo quarto, com uma cama de solteiro, mas mais para frente acabaria achando uma ocupação para o cômodo. O outro quarto, o principal, a suíte, tinha uma cama de casal com o lençol sempre desarrumado. Jornais colados na janela serviam de blecaute. Na mesa de cabeceira um aparelho de som e um despertador quebrado. Na estante, uma pilha de livros deitados acumulava poeira. A não ser um, limpo e de pé, separado dos outros. Como um troféu que merecesse ser adorado, aquele livro de capa azul ficava em destaque.

Na sala, nada que pudesse chamar a atenção. Sofá, TV de tubo, carpete e uma pequena mesa de jantar, para quatro pessoas, não mais. Apesar disso, só o mesmo amigo de sempre é que aparecia, do nada, nos finais de semana em busca de um almoço requentado ou de uma conversa fresca. O assunto não diferia muito: cinema, mulheres e, às vésperas das férias de um ou outro, viagens.

Em um dia de strogonoff de frango com batatas assadas em papel alumínio, o amigo lembrou que uma menina tinha perguntado quem era aquele sujeito de camisa de botão que tinha estado no bar com ele. Não é necessário dizer que o tal sujeito era ele mesmo.

- Mas que menina é essa? Como ela é?

- Se lembra que cumprimentei uma garota numa mesa, logo que a gente chegou? A namorado do Vlad?

- Hum...

- Então. Ela estava nessa mesa e, depois, perguntou pra ela quem era você. Eu não acreditei, claro. Mas ela me passou o telefone e pediu pr´eu te entregar.

O almoço acabou ficando meio sem sal e a cabeça, bom, perdida em inúteis tentativas de roteirizar a ligação, do primeiro alô até o momento em que, depois de gozar, caía pro lado, cansado e suado, ela abraçada a ele, ainda quente e vermelha. A ligação demorou a acontecer, mas depois de umas duas semanas, tomou coragem. Marcaram um sanduíche natural numa loja nova, perto de sua casa. Aproveitou a ocasião para cortar o cabelo, ajeitar a pequena barba que teimava em não crescer e usar, como na primeira vez que o vira, a camisa de botão.

Mordidas e sucos depois, entram no pequeno apartamento. O porteiro, de soslaio, sacou a presença da quinta mulher diferente em menos de dois meses. Sabia que no dia seguinte iam acabar se encontrando e que ouviria uma piadinha do tipo “Outra, hein Seu Davi?”. No AP ficaram de papo no sofá. Falaram de cinema, marcaram uma sessão de DVD qualquer dia desses, pode ser aqui em casa mesmo, você até pode escolher o filme. Ah, quero ver aquele da filha do Copolla. Tudo bem. Gosto muito dela. Quer beber algo? Tenho uma ice na geladeira.

Sempre tinha. Era assim que começava. Ou acabava, dependendo da situação. Duas, três.

- Ah, deixa eu te mostrar uma coisa que adoro! Tá lá no quarto.

Os dois, entorpecidos, sentam na cama. Ele vai até a estante, pega o livro de capa azul, como um troféu. Com as duas mãos, oferece a ela o volume.

- Nunca ouvi falar. É bom?

- Não vou nem te responder. Vou ler um pedacinho para você. É um pouco longo, acho que umas cinco ou seis páginas. Tá até marcado, amo essa parte. Você vai ver só. É a melhor descrição que uma memória pode ter, um monte de páginas para falar de uma madaleine com chá.

- É tipo um bolinho, um doce francês. Coisa fina.

E lá foi ele, página após página. Ao fim, derramava uma lágrima planejada.

- Desculpa. É que me lembro da minha avó.


Um abraço. Um beijo. Outro beijo. A gozada e a queda para o lado, suado, ela a abraçá-lo. Os dois adormecem. Ele a acorda perto da manhã. Ela entende o recado. Pega suas coisas, ajeita o cabelo, passa o blush e vai até a garagem, onde parou seu carro. Ele a acompanha, de pijama e chinelo, e se despede com um beijo frio no rosto. Sobe os 12 andares até seu apartamento, o pequeno apartamento. Entra devagar, tira o chinelo. Bebe um copo de água e vai até o quarto. Na penumbra do amanhecer, conseguiu decifrar os contornos do volume, em meio aos lençóis e travesseiros. Pegou com carinho o livro, beijou o nome do autor, escrito em negrito, logo acima do título, Marcel Proust. Foi até a estante e passou a mão com carinho sobre o canto onde o livro estava. Em seguida passou a mão sobre a capa e ajeitou o Caminho de Swann na estante. Em pé, como um troféu. E foi dormir.







2 comentários:

Gil Pender - Livre como um táxi disse...

Na verdade, veja, o cara é um cafetão do Proust.

Taylor disse...

é. Mas gostei do trocadilho.
hehehehe