terça-feira, julho 29, 2008

E então, ele pensou, porque não tentar dar aquele beijo?
Ela estava mesmo ali, de bobeira, andando de um lado para o outro, no seu salto alto vermelho. Parecia meio alegre já. Era tarde da noite e ele também já tinha virados alguns copos de cerveja.

A aproximação foi tranqüila, afinal, já se conheciam de antes. Ele achava que da escola, ela achava que da vida mesmo. Moravam numa cidade pequena, onde as pessoas não tinham muitas opções de diversão. O máximo era a lanchonete com seus x-alguma coisa e garrafas de cerveja ou, se o fim de semana fosse movimentado, um churrasco ou uma festa de aniversário à noite.
Era noite de aniversário. E ela zanzando pra lá e pra cá. Pra cá e pra lá. Até que ele se aproximou. Foi uma troca rápida de palavras.

Ei, oi, legal né, é, legal, gosto muito do fulaninho que tá fazendo aniversário hoje, eu também, um querido, né? É.

Silêncio. Eles se encaram por pequenos segundos. Ela desvia o olhar. Ele vai pegar mais uma cerveja. Perdera a coragem que pensava ter achado ao esvaziar alguns copos. Na cozinha vira uma dose de cachaça. Sente a bebida descer queimando e deixa escapar uma careta. Ele se ajeita e volta para a sala, para junto dela. Mas antes de cruzar a porta, percebe o carinha. Que se aproxima emplumado. Fala e sorri. A falsidade daquele sorriso branco e perfeito deixa ele petrificado. Sabe quais as reais intenções do carinha. Se ao menos soubesse falar e rir ao mesmo tempo. Os dois se tocando. Mão no ombro, ela ajeita o cabelo. Mais uma dose de cachaça. E direto para o canto mais escuro da sala, perto do sofá. Perto do som. Perto de si mesmo e longe de todos os outros.

De cabeça baixa percebe toda a movimentação. A festa de corpos a se mover, de copos a se beber, de bocas a se encontrar. Onde ela está? Ali, conversando com o mesmo carinha de antes. Ou seria outro? As mãos dele em seus longos cabelos, tão bonitos aqui de longe. O mesmo carinha vai até a cozinha e traz mais um copo de cerveja. Para ela. A coragem para ela. Os sorrisos aumentam de intensidade. Os toques se tornam mais freqüentes. É só uma questão de tempo. Ele senta no sofá, torcendo para sumir no meio daquelas almofadas grandes e fofas. Elas só aumentam seu enjôo.

No hora de ir embora, ele ainda enjoado se despede e oferece uma carona.
Não, pode deixar. Eu moro perto daqui. Vou a pé. É bom que acalma e dá tempo de passar um pouco o peso do álcool. É verdade. O álcool. Com essa nova Lei é melhor deixar o carro aqui e só pegar amanhã. Acho que vou a pé com você, tudo bem? Claro.


Os dois já caminham pela noite. Ele já arrebatado pela esbórnia, cabeça rodando, pernas pesadas, e aquela sensação de vômito iminente. Olha para o lado e a vê. Se arrepia. E pensa em como ela merece algo muito melhor do que ele tem para oferecer. Afinal não sabe nem falar e sorrir ao mesmo tempo. E aceita sua derrota. Resignado, como foi durante toda a vida, reza para que a casa dela seja realmente perto.

Mais dois quarteirões em frente e meio à direita. A casa dela é de tijolinhos, simples e bonitinha. Como ela. Se despedem com um beijo na bochecha e um abraço silencioso. Ele fica com medo que ela sinta seu coração disparando. E acompanha com a alma sua caminhada até a porta que a engole e o cospe de volta à rua escura, de paralelepípedos. Ele só quer chegar em casa, dormir e tentar esquecer aquela dor no peito, a vontade de desistir,de sentar no meio-fio e chorar. Vai ser uma longa caminhada e ele sabe que não pode parar.
Ela se deita, ainda meio bêbada. Dorme logo. E sonha com o beijo que queria tanto que ele tivesse te dado.

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